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Crítica | Podres de Ricos

Representatividade tornou-se, infelizmente, um assunto quase tabu na sociedade contemporânea. Através de sua capacidade de influenciar formadores de opinião e encantar diferentes gerações com novas formas de cultura Hollywood tem apostado cada vez mais em elencos de diversidade étnica, com bons resultados: os novos Star Wars da Disney, que trazem protagonistas femininas e grupos de elenco multiétnicos, e o mega sucesso de Pantera Negra foram estouros de bilheteria, comprovando que há um público para histórias com maior representatividade.

O mais recente exemplo dessa vertente é justamente Podres de Ricos, uma das primeiras produções hollywoodianas com elenco inteiramente asiático. E é justamente esse fator étnico que traz o curioso poder da representatividade: não apenas por dar voz e espaço a uma cultura muitas vezes subjugadas pelo grande cinema, mas também para renovar fórmulas e valores de gêneros esgotados como a comédia romântica. E, nessas áreas, o filme de John M. Chu é muito bem sucedido.

Adaptada do best seller de Kevin Kwan, a trama nos apresenta a Rachel Chu (Constance Wu), uma professora de lógica em Nova York que é convidada por seu namorado Nick Young (Henry Golding) a viajar para Cingapura, onde será padrinho de casamento de seu melhor amigo. Rachel então acaba se dando conta de que Nick é o solteiro mais cobiçado de uma influente e ricaça família chinesa, representada pela matriarca Eleanor Young (Michelle Yeoh), que logo vê na protagonista uma ameaça ao plano de Nick herdar os negócios imobiliários da família.

Não fosse o óbvio fator de diversidade e representação étnica, Podres de Ricos facilmente passaria despercebido como “só mais uma” comédia romântica. E, em sua essência, o roteiro de Peter Chiarelli e Adele Lim – que adaptam o best seller de Kevin Kwan – é exatamente isso, ao passo em que segue todos os beats e convenções de uma grande comédia romântica de casamento, de O Pai da Noiva até Sabrina e O Casamento do Meu Melhor Amigo, passando pelo inevitável conflito com a família, os coadjuvantes humorísticos e as diferentes reviravoltas que acontecem ao longo de festas e cerimônias. Nesse sentido, clichê é algo que encontramos de monte em Podres de Ricos.

Porém, é justamente na execução que o longa mostra-se algo especial. O fato de que todo o elenco seja de descendência asiática é capaz de trazer algo inovador, a começar pelo conflito central entre Rachel Chu e Eleanor Young. Mesmo que ambas sejam chinesas, Rachel é americana, e a raiz da inimizade da matriarca Young se mostra mais complexa por abordar um tema ainda mais peculiar do que se fosse mais um cenário caucasiano x asiático: o preconceito dentro da própria etnia, que rende um estudo leve, mas incisivo, por parte do roteiro da dupla, que analisa com seriedade os embates de classe ao mesmo tempo em que traz frases absurdas, mas eficientes, como quando a personagem de Awkwafina diz que, para Eleanor, Rachel é uma banana: amarela por fora, branca por dentro.

Outro fator decisivo para a distinção do filme é a direção de John M. Chu, um cineasta que já beijou sua parcela de sapos na indústria (vide continuações de G.I. Joe, Ela Dança, Eu Danço, Truque de Mestre e um documentário sobre a vida de Justin Bieber) e agora enfim ganha seu Príncipe Encantado. Toda a energia que Chu já mostrou nesses diferentes projetos, mais voltados para o espetáculo, se manifesta aqui de forma muito mais orgânica e elegante: a grandiosidade dos cenários e das imponentes mansões chinesas ganham mais impacto graças a suas escolhas de enquadramento e planos de movimento livre, ao passo em que Chu experimenta artifícios narrativos visualmente dinâmicos, como uma das sequências iniciais que mostra a velocidade que uma informação chega a Eleanor graças ao boca a boca de redes sociais, sendo uma bem-vinda atualização da cena da fofoca em Grease: Os Tempos da Brilhantina, e uma evolução do plano acelerado das mensagens de texto em A Mentira.

Chu também mostra-se muito eficiente em manipular nossas emoções, transitando bem entre o humor – com todas as cenas protagonizadas pela família de Awkwafina (com gloriosas participações de Ken Jeong e o hilário Calvin Wong) adotando um eficiente formato de comédia sitcom – e também pelo romance desavergonhadamente meloso e cativante. O momento em que Araminta (Sonoya Mizuno) enfim caminha pelo altar é de uma beleza indescritível, com a câmera de Chu viajando pelo corredor que logo vai enchendo-se de água, ao mesmo tempo em que o cover dramático de “Can’t Help Falling in Love” de Elvis Presley faz uma épica pausa, apenas para revelar a noiva caminhando sobre um “riacho” iluminado pelos convidados. Àquele ponto, nem passamos muito tempo com a personagem de Mizuno ou paramos para aprofundar o núcleo do casal prestes a se casar, mas o puro valor estético é o suficiente para provocar emoções poderosas no espectador.

Por fim, o elenco asiático é um dos mais inspirados e carismáticos do ano. Constance Wu se sai muito bem em seu primeiro papel protagonista em Hollywood, onde o deslumbramento de Rachel diante das faraônicas obras do Young é reforçado por sua performance, com a atriz literalmente estando em uma situação similar à de personagem; e assim como Wu domina a cena, ela é muito eficiente na transformação em uma figura mais imponente. Já Henry Golding, que também apareceu este ano em Um Pequeno Favor, traz o charme e carisma que normalmente associaríamos a James Bond ou Bruce Wayne, mas com uma camada dramática que nos faz torcer pela resolução de seu dilema. E, claro, a veterana Michelle Yeoh domina cada segundo de tela ao fazer a personagem mais complexa da história, e cuja presença intimidadora é bem transmitida pelo olhar cortante da atriz.

Podres de Ricos é uma comédia de romântica à moda antiga, mas com bons toques inovadores graças ao claro aspecto de representatividade étnico de seu elenco e equipe. Não é um filme que reinventa a roda, mas traz uma execução agradável e personagens carismáticos, continuando a jornada de Hollywood para um cenário culturalmente empolgante.

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