Direto do Berlinale

Entrevista com Juliana Rojas: Vencedora do prêmio de Melhor Direção no Festival de Berlim

Rojas é diretora de Cidade; Campo

A diretora Juliana Rojas (Reprodução)
A diretora Juliana Rojas (Reprodução)

Colaboradores: Pedro Paulo Loureiro, Carol Scarpelli e Evandro Scarpelli

A diretora Juliana Rojas foi a vencedora do prêmio de Melhor Direção na mostra Encounters da 74ª edição do Festival de Berlim, também conhecido como Berlinale. O filme, Cidade; Campo, com o qual a diretora concorreu, teve sua estreia mundial na competição e o lançamento no Brasil está previsto para acontecer ainda neste ano, mas ainda sem data definida.

O filme tem no elenco Bruna Linzmeyer, Marcela Vianna e Mirella Façanha e teve durante todo o Berlinale sessões lotadas. Cidade; Campo traz um olhar e uma proposta diferenciada em relação à nossa mitologia brasileira, trata de questões sociais e seus contrastes entre a cidade e o campo, aborda também questões migratórias e de gênero e traz como diferencial ter uma equipe exclusivamente composta de mulheres, que inclui Sara Silveira e Maria Ionescu (produção), Cris Lyra e Alice Andrade Drummond (direção de fotografia), Juliana Lobo e Daniela Aldrovani (direção de arte), Cristina Amaral (montagem) e Rita Zart (música).

Confira, abaixo, a entrevista exclusiva com a diretora Juliana Rojas, realizada em Berlim no dia da premiação.

Hebert Neri entrevista Juliana Rojas em Berlim (Foto: Mariana Fontes)

Entrevista com Juliana Rojas

Primeiramente, quero mais uma vez te parabenizar por essa obra. Confesso que não é comum a gente ver um filme de terror brasileiro, se é, que se pode classificar como terror. Quero também saber a sua opinião sobre isso e entender como a sua visão de mundo se traduz nas telas, naquilo que a gente vê.

Rojas: Bom, obrigada pelo interesse no filme. Eu não considero Cidade; Campo um filme de horror, mas ele é um filme que dialoga com elementos de gênero. Para mim, ele é como se fosse um filme mais existencial, um drama existencial, com elementos fantasmagóricos e sobrenaturais.Mas, de alguma forma, ele se relaciona com temas e com estéticas dos meus outros filmes, tanto os filmes que eu dirijo de solo quanto com o Marco Dutra. Não só pelos elementos de fantasia e de horror, mas também por elementos como as relações de afeto, protagonistas femininas e também relações de trabalho. Mas, ao mesmo tempo, também é um filme que eu busquei explorar outros aspectos.

É um filme mais pessoal, ele tem alguns elementos mais surrealistas, mais oníricos. Então, nesse sentido, ele é um processo a partir das minhas obras anteriores e, nisso, é algo novo para mim.

Como é que funciona isso para você? Esse processo de selecionar que música vai tocar em qual momento?

Rojas: Eu sempre me coloco bastante nos filmes. Eu tento me identificar com os personagens que eu estou escrevendo e vejo o que tem meio neles e também de pessoas que são próximas. E, na verdade, esse universo do sertanejo e do feminejo faz muito parte da minha vida.

Ah, é? Por quê?

Rojas: Eu gosto do gênero, sou de Campinas, no interior de São Paulo, que você cresce ouvindo essas músicas. E aí eu tenho uma relação afetiva com essas músicas. Temporal de Amor, que toca no filme, marca muito a minha adolescência.

Então tem uma conexão que é do coração mesmo, que aí eu coloco no filme. Porque são cenas que precisam ter uma verdade dos personagens cantando e se divertindo. Eu gosto muito de karaokê também.

No filme também tem cenas de karaokê. No Sinfonia da Necrópole também já tinha, porque faz parte da minha vivência. E eu acho bonito porque é um jeito das pessoas se expressarem, expressarem os sentimentos nesses momentos.

E de zero a 10, como você se considera do karaokê?

De coração é 10, de técnica acho que 5, 5,5 (risos). 

O filme também fala de uma coisa muito bacana, do nosso universo sobrenatural brasileiro. Você acha que nós no Brasil temos a tendência de achar que o Thor é o máximo e o Curupira não é, ou isso não tem nada a ver? Desprezamos o nosso folclore para dar valorizar o que vem daqui da Europa, por exemplo?

Rojas: Eu não sei, eu acho que tem várias questões com o cinema fantástico no Brasil. Eu acho que tem uma questão geral com o cinema brasileiro que envolve formação de público, das pessoas desde cedo serem estimuladas a verem filmes brasileiros, a se verem na tela. E que acho que isso ainda precisa de mais investimento, de um trabalho em cima disso para criar uma relação nossa em se ver e se escutar.

Então acho que as pessoas não estão acostumadas a se ver, a ouvir a própria língua, a se ver representado. E aí às vezes isso causa um estranhamento. Mas eu sinto que tem uma vontade muito grande de ver as nossas histórias contadas, e principalmente histórias que têm a ver com o nosso imaginário, nosso imaginário sobrenatural.

Porque isso, mesmo com “Boas Maneiras”, que foi meu filme anterior, que falava de lobisomem, por exemplo, as pessoas se conectavam muito porque faz parte do nosso imaginário. Então acho que o brasileiro quer ver essas histórias na tela. E isso você sente até bastante quando a gente vem para um festival no exterior, porque é comum nas sessões terem pessoas do Brasil que através do filme elas vão reviver esse tipo de memória e de experiência que elas tinham no Brasil.

Então acho que é uma coisa que precisa de investimento, mas tem um potencial muito grande.

O processo de escolha de elenco foi difícil? Queremos entender o seu critério para formar esse elenco que você formou com sua equipe.

Rojas: Eu costumo trabalhar com uma diretora de elenco que se chama Alice Wolfenson. Ela fez vários filmes já comigo, então a gente já tem uma parceria muito boa, que ela entende muito o que eu quero num elenco, que tipo de atuação, que tipo de dinâmica de trabalho. E aí a gente fez um processo entendendo que atores seriam interessantes para cada papel.

Às vezes eu trabalho com atores com quem eu já tive contato em outros filmes. A Fernanda Viana, que faz a Joana, eu já conhecia ela do Grupo Galpão, que é um grupo muito importante de teatro mineiro. E ela tinha protagonizado um filme do Caetano Gotardo que eu montei, que se chama “O Que Se Move”. A Andréa Marquee, que faz a irmã dela no Cidade; Campo, também trabalhou no “O Que Se Move”, também foi protagonista. Então eu já tinha uma relação. A Bruna Linzmayer, eu já conhecia ela de filmes brasileiros que eu admiro e a gente tinha muita vontade de trabalhar juntas. E a Mirella Façanha, eu conheci através do teatro. Ela é uma atriz muito fascinante, muito incrível, com uma presença maravilhosa e com uma visão de atuação, de dramaturgia, que me deixou muito impressionada. Eu tinha visto ela numa peça que chama Isto é um Negro, que ela foi atriz e também ela, junto com o grupo dela, fizeram a dramaturgia, uma peça muito premiada, que circulou no mundo todo.

E aí eu a vi e a gente se conheceu, fez uma audição e foi muito bom, a gente teve uma conexão muito forte. E aí eu estou muito feliz de também ter ela no filme, porque eu acho que é uma presença muito maravilhosa na tela, que me representa muito também.

Você acha que o nosso cinema poderia ser mais daquilo que você nos disse agora, que as pessoas se enxergarem na tela?

Rojas: Eu acho que sim, que a gente precisa buscar essa representatividade no cinema brasileiro, de diferentes corpos, diferentes raças, diferentes identidades de gênero. E acho que a gente está caminhando para isso, isso envolve também que pessoas diversas tenham acesso a escrever, dirigir, fotografar filmes. Eu não sei, eu tenho visto isso acontecer mais nos filmes, mas depende também muito de um suporte governamental e estrutural para dar acesso a pessoas que são sub-representadas.

E aí, sei lá, acho que estamos em um momento em que a gente tem bastante esperança, porque estão se retomando os fundos de apoio ao cinema brasileiro, a Lei Paulo Gustavo, agora tem uma expectativa dos editais do Fundo Setorial e que esses fundos contemplem diversas regiões e diversos tamanhos de produtores e realizadores diversos também, para a gente ter isso na tela, para a gente conseguir se enxergar mais na tela.

Ainda é difícil ser mulher na indústria do cinema?

Rojas: Sim, a indústria do cinema, no Brasil e no mundo, ela ainda é muito dominada por homens brancos cis, tem poucas mulheres diretoras e composição de equipe também, se você prestar atenção, mesmo aqui no Festival de Berlim, que tem filmes de diversos países e filmes mais alternativos, você vê isso, que nas funções principais, que são as funções que criam a narrativa e a imagem, que são roteiro, direção, fotografia, direção de arte e montagem, geralmente são somente homens.

Nosso filme, por exemplo, a gente buscou ter uma predominância feminina nessas funções e acho que isso trouxe muita originalidade e muita qualidade para o filme, mas é algo que precisa ainda ser conquistado, ainda é bastante tímido, a gente vê isso no Oscar também, porque tem pouquíssimas mulheres que foram indicadas a direção no Oscar e roteiro, então ainda é uma luta.

E do público alemão e europeu no geral? o que você tem sentido de repercussão da tua obra, de repercussão do teu trabalho? Você acha que eles conseguem entender a nossa cultura através da sua obra?

Rojas: Têm sido bem interessantes as reações. As pessoas reagem bastante ao filme, elas se divertem nas partes que são mais engraçadas, elas ficam muito concentradas nos momentos que são mais tensos e de suspense, e acho que o filme, por ser um filme que envolve a subjetividade das personagens e as relações delas e tem temas também que são mais universais, que é lidar com a perda, lidar com o luto, lidar com relações afetivas, relações entre pais e filhos, isso acaba atingindo eles, e aí tem outras coisas que são muito particulares da nossa cultura que talvez eles não peguem tanto as camadas, por exemplo, eles não sabem o que é o sertanejo ou o feminejo, então é uma música que elas estão cantando.

E também tem o sentimento de estar em contato com uma musicalidade diferente, que mesmo que você não identifique a referência, isso amplia o seu horizonte como espectador. Isso que é legal também num festival mundial que nem Berlim, que você vê filmes de diferentes países e acaba escutando isso, músicas diferentes, conflitos diferentes, isso é bem legal.

O que você acredita que Cidade; Campo traz de diferente para o Festival de Berlim? O que você traz de diferente para essa edição do Berlinale?

Rojas: Não sei se eu colocaria dessa forma, de que eu sou ou trago algo de diferente… mas para mim é importante sempre ser verdadeira nas histórias e contar com base no meu repertório, no meu universo, e eu acredito que se eu tiver essa verdade, isso vai se comunicar com alguém. Não tenho uma preocupação em ser diferente, até porque tem coisas no filme que podem ser consideradas diferentes ou inéditas, mas tem muitas coisas também que fazem referência a um processo clássico da humanidade de contar histórias para expressar sentimento. E acho que isso que é a beleza, você poder conectar com o que é reconhecível, mas também surpreender com o que é diferente.

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