Filmes

Crítica | 1917

Quando cunhou o termo “filme de parque temático”, Martin Scorsese estava se referindo especificamente a produções com super-heróis, porém a expressão pode ser também aplicada ao que o diretor Sam Mendes cumpre com seu 1917: proporcionar, em um plano-sequência extenso, uma experiência guiada através das trincheiras e campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, sustentando-se sobre um fio básico de narrativa.

Há o trabalho de temas gerais de guerra, camaradagem e sobrevivência, mas não há dúvida quanto à prioridade dada ao espetáculo e o virtuosismo técnico. Por conta disso, temos uma trama simples que envolve basicamente a ida de um ponto A a um ponto B, com dois soldados ingleses (George McKay e Dean-Charles Chapman) que têm a missão de entregar uma mensagem a um coronel cuja tropa de milhares de homens estão prestes a pisar em uma armadilha mortal dos alemães.

A emoção almejada por Mendes depende, antes de tudo, do encanto com a técnica, portanto o filme trabalha em função das necessidades para que tal conceito de plano-sequência se concretize, principalmente com relação ao tempo e ao espaço – para não quebrar o formato, o diretor de fotografia Roger Deakins se arrisca com o uso de luz predominantemente natural e lentes fixas. Por conta disso, todo movimento desde o primeiro frame pode parecer calculado, e cada segundo de sua duração perfeitamente cronometrado para que o deslocamento dos personagens não seja lento ou rápido demais.

Existe um trabalho admirável de condensar esse tempo e esse espaço em que ocorrem as ações para que as duas horas de filme as acomodem sem muitas firulas ou conveniências – embora existam algumas um tanto difíceis de crer -, mas o emprego do pseudo plano-sequência, já que na realidade constitui uma série de planos longos costurados na pós-produção, não necessariamente acentua o drama ou nosso engajamento, podendo distrair justamente durante os muitos tempos mortos que acabam existindo ao longo de 1917.

Isso remete a quando os videogames de ação modernos passaram a trocar suas telas de carregamento por seções mais mundanas de gameplay que envolviam, geralmente, personagens caminhando lentamente de um ponto a outro. Aqui, como os videogames, a tentativa de esconder as transições entre cada “fase” apenas chama mais atenção a essas seções intermediárias, nem ruins e nem muito interessantes, criando instantes de um vácuo dramático.

O trabalho com sets precisamente montados e costurados como um espaço contínuo acaba por criar um outro dilema, entre a naturalidade na construção dos dois protagonistas e o compromisso em preparar a próxima cena ou imagem de grande impacto visual. Se os dois jovens atores McKay e Chapman fazem um trabalho convincente, com destaque ao primeiro, as necessidades técnicas mais urgentes conseguem às vezes impedi-los de atingir outros patamares na entrega.

Pode-se até perceber, em um ou outro momento, o direcionamento que algumas das cenas tomarão, já que para guiar o público e também as personagens em direção a seus objetivos, Mendes insere elementos assumidamente artificiais em suas cenas, como ratazanas gigantescas em um túnel armado com armadilhas ou uma porta propositalmente aberta em um estábulo, já posicionando o olhar do espectador e antecipando o enquadramento-chave de tal cena. Ainda é comum que a melódica mas presciente trilha de Thomas Newman cresça mais que o necessário ou antes da hora.

Com essa típica execução que adora chamar atenção para si mesma, tanto a imersão quanto o suspense das cenas saem um pouco prejudicados, dependendo, é claro, da capacidade do espectador em perceber as cordinhas que Mendes puxa aqui e ali, como um mestre de fantoches deslumbrado consigo mesmo. No entanto, se a obra acaba engessada por isso, a eficácia da execução final se torna inegável caso aceita justamente como uma trucagem – todo truque de mágica tem suas brechas, se o olhar do público estiver habituado a notá-las.

Além disso, o filme indubitavelmente merece crédito por duas coisas: colocar o respeito aos combatentes e suas ânsias de sobrevivência acima da violência sangrenta que poderia ter sido destacada à exaustão aqui, e por cima disso mirar em uma variedade de situações que essencialmente não se repetem, como fases distintas. Então por mais que 1917 tenha seus momentos de baixa e falhe em escondê-los, o filme não se assenta na repetitividade e também não está preocupado em registrar a perspectiva de sempre – afinal o objetivo dos protagonistas é impedir um conflito.

Embora tais aspectos fiquem como detalhes mais básicos diante do espetáculo visual e das trucagens, é uma pena no entanto que 1917 receberá afirmações como “só mais um filme de guerra” e coisas do tipo. É possível perceber na obra de Mendes uma intenção além que, se não ressoa tanto quanto poderia, ao menos indica um coração no lugar certo quanto à simples barbaridade da Primeira Guerra Mundial, onde jovens lutavam por sabe-se lá qual motivo e a única missão importante, no fim das contas, era sair vivo do campo de batalha.

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