Será coincidência que deixaram Edgar Wright e Wes Anderson estreando seus devidos filmes no mesmo dia?!
Seja como for, ambos estão com estreias simultâneas nas salas de cinema por todo o país. O primeiro está lançando o terror psicológico Noite Passada em Soho, enquanto o peculiar Wes Anderson exibe a antologia A Crônica Francesa, que conta com um elenco recheado de grandes estrelas, como na maior parte de seus projetos.
Ambos cineastas possuem estilos marcantes, que elevaram suas personas ao topo do status cult moderno. Agora, falando especificamente de Anderson, temos um diretor que pratica um estilo visual muito singular, que usa composições simétricas, ‘knolling’ (superfície organizada que permite ao usuário ver todos os objetos de uma vez), snap-zooms (tipo de tomada em que a câmera aumenta ou diminui o zoom rapidamente), uma paleta de cores deliberadamente limitada, além de uma direção de arte feita à mão, geralmente utilizando miniaturas.
Essas escolhas estilísticas conferem a seus filmes uma qualidade altamente distinta que tem provocado muita discussão, estudo crítico e até mesmo paródias. Muitos escritores, críticos de cinema e até o próprio Anderson comentaram que isso dá a seus filmes a sensação de serem “mundos autocontidos”.
Então, através de A Crônica Francesa conheceremos o mais novo mundo criado por Wes Anderson, onde Arthur Howitzer Jr. (Bill Murray), editor da revista The French Dispatch, morre repentinamente de ataque cardíaco. De acordo com a vontade expressa em seu testamento, a publicação da revista é imediatamente suspensa após uma última edição de despedida, no qual são republicados três artigos das edições anteriores, acompanhados de um obituário.
Antologias e suas irregularidades
São bem raras as produções que arriscam desenvolver antologias para o cinema. Dentre algumas mais recentes, temos: Para Maiores (2013), Relatos Selvagens (2014) e A Balada de Buster Scruggs (2018).
Todas estas, assim como A Crônica Francesa de Wes Anderson, têm algo em comum, no caso, um desnível narrativo óbvio que ocorre pela apresentação de histórias diferentes fundidas sob um conceito geral.
Aqui vemos o autor de cinema americano escrever uma carta de amor ao jornalismo impresso, assim como os profissionais que trabalharam para levar a informação para os leitores. Constituída de prólogo, três atos e um epílogo, encontramos momentos de maior inspiração, ao mesmo tempo que também observamos outros que não causam um impacto emocional marcante.
É preciso dizer que A Crônica Francesa começa bem melhor do que termina, uma vez que o prólogo, estrelado pelo carismático Owen Wilson, e o primeiro ato intitulado ‘The Concrete Masterpiece’ (no traduzido, A obra-prima de concreto), já conseguem estipular toda a proposta narrativa do material, algo visto anteriormente em outras obras de Anderson.
Pelos dois atos seguintes, continuaremos a explorar a mesma ideia, apenas com personagens diferentes sob outras circunstâncias. Curioso que as melhores performances desta produção vieram justamente desta primeira parte, que contou com um quarteto de peso composto por Tilda Swinton, Benicio del Toro, Adrien Brody e Léa Seydoux.
A melancolia de Anderson
Não é novidade alguma que Wes Anderson optou por dirigir comédias de ritmo acelerado, marcadas por elementos mais sérios ou melancólicos, com temas geralmente centrados no luto, perda da inocência, famílias disfuncionais, abandono dos pais, adultério, rivalidade entre irmãos e amizades improváveis, por exemplo.
O criador de obras do calibre de Os Excêntricos Tenenbaums (2001), Moonrise Kingdom (2012) e O Grande Hotel Budapeste (2014), que representou seu ápice artístico levando quatro estatuetas do Oscar para casa, sempre praticou essa imagem agridoce em seus filmes. Desta vez, testemunhamos novamente ele desfilar um arsenal que equilibra visual e diálogos, mergulhando-nos em uma atmosfera de reflexão dentro de um tipo de entretenimento muito particular.
Qual a diferença de A Crônica Francesa para outros materiais produzidos por Wes Anderson, então?
A dose da melancolia.
No longa atual, percebemos um autor mais agarrado ao passado que deixou de existir, pelo menos da maneira que um dia foi. Ele alternou entre o preto-e-branco e o cinema de cores, indicando passado e presente. Porém, ele mistura ambos com uma naturalidade de alguém que não vive pelo livro de regras, portanto, questionamos na posição de espectadores quando que nossos mundos autocontidos podem um dia cessar.
Pelo cinema de Anderson, um romântico conservador que executa um estilo de narrativa moderna, sentimos o fim das coisas de modo solene e jocoso, assim como é a vida… bem esquisita mesmo!