De tempos em tempos, mudanças ocorrem. Em todas as áreas, em todas as formas, seja nas artes, esportes, economia. Essa é a vida. Transformando-se enquanto cumprimos nossas tarefas.
Falando especificamente do cinema, observamos que em determinados momentos de nossa história, alguns tipos de filmes, ou mesmo gêneros ganham maior destaque por algo diretamente relacionado aos dias que vivemos. Nisso entram contextualizações sociais, políticas, tecnológicas, e assim por diante.
Recentemente, tivemos o gênero do terror, servindo como plataforma para discutir problemas raciais, assim como algumas angústias pela escalada de determinadas classes sociais; no começo dos anos 80, a ficção científica ousou questionar quem somos e nosso papel diante o grande infinito tecnológico, tanto socialmente como politicamente.
E, antes disso, os melodramas foram a mais eficiente forma de argumentação para questionar o ‘American Way of Life’ (no traduzido, ‘jeito americano de viver’) e o chamado sonho americano durante a década de 50.
Peguemos o trecho final de um escrito de William Herberg, escritor e intelectual conservador, sobre o American Way of Life:
“… E por serem tão idealistas, os americanos tendem a ser moralistas; eles estão inclinados a ver todas as questões como claras e simples, pretas e brancas, questões de moralidade.”
Frágil, não?!
Neste momento, entra o melodrama, para romper os paradigmas sociais e religiosos que amarram o ímpeto e desejo humano. O cineasta alemão Douglas Sirk (1897 – 1987) foi, talvez, o maior nome deste gênero cinematográfico, presenteando o público com obras, como Desejo Atroz (1953), Tudo Que o Céu Permite (1955) e Palavras ao Vento (1956), que criticavam a burguesia em geral, enquanto pintavam um retrato compassivo de personagens presos às condições sociais.
O mesmo vale para A Última Carta de Amor, novo melodrama original da Netflix, que apresenta um par de histórias entrelaçadas ambientadas no presente e no passado. Ellie Haworth (Felicity Jones), é uma jornalista ambiciosa que descobre um tesouro de cartas de amor secretas de 1965 e se torna determinada a resolver o mistério do caso proibido no centro dessa história. Enquanto ela descobre a história por trás de Jennifer Stirling (Shailene Woodley), esposa de um rico industrialista, e Anthony O’Hare (Callum Turner), o jornalista financeiro designado para cobri-lo, uma história de amor de Ellie começa a se desenrolar com a ajuda do arquivista Rory (Nabhaan Rizwan), que a ajuda a localizar mais cartas.
Passado
Para começo de conversa, deve-se afirmar que ter a oportunidade de assistir melodramas de estilo clássico, como A Última Carta de Amor é algo um tanto raro, até mesmo anacrônico por algumas perspectivas. Ainda assim, como tantas formas artísticas, claramente encontra seu espaço e relevância em alguns meios.
Dentre as duas partes vistas nesta obra dirigida pela cineasta Augustine Frizzell, esta é melhor elaborada, definitivamente. Isso vale tanto pela parte emocional da trama sendo contada, como também pelos atributos técnicos desenvolvidos, como uma notável direção de fotografia encabeçada por George Steel, que se aproveitou bem de alguns belos cenários naturais, além do uso virtuoso da iluminação em cena.
Outro ponto alto desse segmento vem pelo figurino que remete à Londres dos anos 60, exibindo elegância com chapéus, lenços de cabeça, luvas e broches. A talentosa Shailene Woodley, além de ter apresentado um trabalho convincente, serviu como um belo manequim ostentando conjuntos e vestidos por toda essa parte. Praticamente uma réplica da icônica Jackie Kennedy Onassis.
Presente
Agora, é no presente que iremos encontrar o desnível narrativo dessa produção original Netflix. É justo dizer que o segmento envolvendo a troca de cartas entre Jennifer e Anthony não revela nada que já não tenha sido visto antes, porém, existe um charme e atração na relação amorosa destas personagens que é evidente.
Uma pena que o mesmo não possa ser dito do casal Ellie e Rory, que aparentam estar mais deslocados do que atraídos um pelo outro, apesar de mais uma performance carismática da atriz Felicity Jones.
Curioso, pois esta é exatamente a situação inversa de Julie & Julia (2009) de Nora Ephron, outra obra que salta do presente para o passado e de volta, repetindo tais manobras até a resolução da história. No longa de Ephron, temos uma parte muito mais envolvente no presente com a blogueira Julie Powell (Amy Adams), do que o passado estrelado pela cozinheira de mão cheia Julia Child (Meryl Streep).
No fim, apesar de A Última Carta de Amor ter mostrado certo desequilíbrio narrativo, todo o ardor do passado deve ser mais do que o suficiente para encantar, e até mesmo comover quem assiste.