Filmes

Crítica | Amigos para Sempre

Grande parte dos remakes, com algumas poucas exceções, são irrelevantes por natureza. Muitas vezes com o intuito de reapresentar uma obra a um novo público e, é claro, gerar receita, diversos remakes não conseguem nem uma coisa nem outra, já que não deixam sua marca sobre o material mesmo quando são obras funcionais. Os resultados financeiros ficam em cheque, mas esse parece ser o caso da adaptação norte-americana de Intocáveis, intitulada Amigos para Sempre, roteirizada por Jon Hartmere apenas um ano depois do original de Olivier Nakache e Éric Toledano ganhar uma versão argentina, Inseparáveis.

O miolo da trama se mantém basicamente o mesmo. Del (Kevin Hart) cai de paraquedas em uma seleção de cuidadores para Phillip (Bryan Cranston), um bilionário que ficou tetraplégico após um acidente de paraglider, e acaba sendo selecionado para o trabalho, para sua própria surpresa e a de Yvonne (Nicole Kidman), secretária pessoal de Phillip. Não se sabe muito bem o porquê da contratação em um primeiro momento, já que Del se mostra completamente despreparado para o trabalho, mas, com o tempo, isso logo passa a não importar, e não é surpresa que ele e Phillip se tornarão amigos ao longo dessa experiência.

Há algumas diferenças que o roteirista Hartmere, na missão de americanizar o material, aplica ao enredo. A mais expressiva delas vem com o personagem de Kevin Hart. Enquanto Driss, no original, era um imigrante em busca de uma vida melhor na França, Del é um ex-criminoso que, recém-liberto da prisão, foi encarregado de serviços comunitários e que quer superar os erros do passado para se reaproximar da família. Num tom moralista típico de Hollywood, Hartmere confecciona um arco de redenção para Del, que passa por picos e vales até chegar onde quer – aprendendo muito com Phillip, é claro.

As dificuldades enfrentadas pela amizade de Del e Phillip a partir de certo ponto também partem de outras motivações nesta versão, mais protocolar que a original francesa – que já recorria a fórmulas para funcionar. Na verdade, todos os impasses enfrentados pela dupla soam, desta vez, um pouco mais tolos e ingênuos, por consequência dessa aderência maior a uma cartilha hollywoodiana – a trilha de Rob Simonsen também insiste em telegrafar certas emoções. Quando Del rouba As Aventuras de Huck Finn da biblioteca de Phillip, por exemplo, isso é tratado como algo muito mais dramático do que realmente é, apenas para reforçar sua previsível transformação em um homem melhor.

Porém essa ingenuidade condiz, de forma ou outra, com a principal intenção de Intocáveis: agradar o público. Com Amigos para Sempre, não é diferente e o diretor Neil Burger, de autoria bem mais apagada do que antes, confia o cumprimento desse objetivo ao elenco ilustre. Hart surge menos histriônico do que em seus papéis anteriores, equilibrando a persona cômica com um lado mais sóbrio – eventualmente, o ator passa a simplesmente ser o mesmo de sempre, mas é bom vê-lo atuando em outra chave para variar. Cranston, por sua vez, entrega uma interpretação tipicamente sua, diferenciada apenas pelo vernáculo rebuscado de Phillip – palmas, aliás, para a tradutora que cunhou o termo “epistolando”.

A real surpresa do elenco, entretanto, é Nicole Kidman. A atriz não faz nada de realmente único aqui, mas ao ser elencada como Yvonne, permitiu que a personagem ganhasse mais camadas em relação às versões anteriores. Além do mais, foi bom vê-la em tela tantas vezes ao longo do último ano, após ser novamente valorizada como a grande atriz que é, e suas interações com Hart e Cranston são devidamente espirituosas aqui, evidenciando um timing cômico principalmente nas trocas com o primeiro, ao usar jargões de beisebol. Ao final, Yvonne também assume um papel mais essencial à trama, e isso talvez seja a melhor das mudanças apresentadas em Amigos para Sempre.

Ainda assim, não dá pra fugir da sensação de que Amigos para Sempre poderia ser muito mais expressivo, além do garantido valor de entretenimento, caso contasse com uma condução mais ousada que imprimisse uma nova personalidade à história ou um texto menos ingênuo, corretinho como esse que se vê no resultado final – no qual até a palavra “pênis” é tida como ofensiva. Ao fim, apesar de contar com uma alteração acertada e até mesmo suscitar curiosidade por conta do elenco bem selecionado, a produção não vai muito além de uma simples repaginação de uma trama revista já tantas vezes, levada de volta às telonas como uma obrigação inevitável.

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