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Crítica | As Golpistas

Desde que a bolha imobiliária rompeu em 2008 nos Estados Unidos, o cinema norte-americano foi inspirado a criar obras diversificadas acerca da amplitude deste problema e todas suas implicações através de todos os segmentos sociais afetados. Filmes como A Grande Aposta, O Homem da Máfia e 99 Casas eram entre si muito distintos em seus ângulos, embora todos predominantemente masculinos, mas agora surge aquele que é possivelmente o mais peculiar retrato do período, não por acaso na perspectiva de mulheres: As Golpistas.

Fielmente adaptado pela roteirista Lorene Scafaria com base no artigo da New York Magazine assinado por Jessica Pressler, As Golpistas traz a história verídica de strippers que esquematizavam golpes sobre seus clientes mais afortunados, não raro os engravatados de Wall Street que se beneficiavam da situação de crise que assolava o país – ao menos, na perspectiva vindicativa das protagonistas. Felizmente, a transposição do caso às telas é surpreendentemente aversa a maiores liberdades criativas ou invencionices, alterando pouco mais que nomes – porém recomendo a leitura apenas para depois da sessão.

A apresentação dos fatos se estrutura através dos relatos de Destiny (Constance Wu) à jornalista Elizabeth (Julia Stiles), segmentados entre antes, durante e depois da crise de 2008 com cartelas que sinalizam a passagem de tempo. Acima disso, Destiny assume na maior parte da obra o papel de personagem observadora dos esquemas e acontecimentos à sua volta, liderados por Ramona (Jennifer Lopez), uma stripper veterana que, diante dos impasses financeiros que afetavam seus negócios, formou uma trupe de garotas golpistas que inebriavam seus clientes para estourar os limites de seus cartões de crédito.

Ao invés de assumir uma postura crowdpleaser e retratar a união criminosa de Destiny e Ramona como o típico filme de golpe, aqui tudo se estrutura no relato pessoal e técnico, passando detalhe a detalhe com a veracidade em conta, o que pode conferir a As Golpistas um ar esquematizado. Tal decisão acarreta em uma obra que, para uma parcela do público, será um tanto cansativa e até repetitiva, mas um deleite àqueles que apreciam obras mais metódicas no estilo de Steven Soderbergh – como Onze Homens e Um Segredo e Logan Lucky. No entanto, nada disso impede o filme de Lorene Scafaria, também encarregada da direção, em oferecer momentos de recompensa dramática e estética.

Afinal, esquematizado e esquemático não são necessariamente sinônimos, e Scafaria comprova isso com uma condução cheia de personalidade, infundindo cena sim, cena não com ideias que alteram a dinâmica da narrativa – ou pelo menos de sua estética – e agregam à construção dramática ao menos de sua principal protagonista. É notável ainda como Scafaria é capaz de alternar com fluidez entre uma estilização virtuosa que remonta ao cinema de gângster – Martin Scorsese é uma influência certa – e, em outros instantes, um registro quase documental com a câmera solta, colada em suas atrizes – há um ênfase perceptível em planos de mãos.

E apesar de comprometer-se com o realismo, a cineasta encontra boas oportunidades de experimentar – leia-se: quebrar – com a diegese espacial, como no corte repentino para uma cena de sonho, e mesmo a sonora, emudecendo completamente os sons de um trecho no qual uma conversa era gravada para logo depois retomar o diálogo por meio de uma ligação telefônica. Porém neste quesito sonoro, a maior arma de Scafaria está na eclética trilha musical, que vai desde faixas clássicas de Chopin a hinos pop recentes como Royals e costura a maior parte do enredo com tamanha graça.

O que tem trazido maior atenção ao projeto, entretanto, é a presença de Jennifer Lopez em seu elenco, e o destaque é justificado mesmo que a diva ocupe um papel tecnicamente considerado de apoio. Na posição de figura inspiradora da protagonista, Lopez faz o trabalho esperado de uma atriz em reconhecimento de sua própria maturidade artística: comedido, elegante e menos preocupado em roubar a cena do que elevá-la em conjunto com suas colegas de cena. Constance Wu, portanto, se mostra como a melhor parceira de cena imaginável além de ser o coração do longa, e as duas sintetizam muito já pelas simples trocas de olhares.

Vale ressaltar ainda assim que a humanidade no olhar não se limita apenas às duas e nem ao retrato das golpistas, já que existe um reconhecimento da “névoa da guerra” neste jogo que parecia demarcar claramente times de heroínas e vilões. Este não poderia ser um filme sobre a crise de 2008 sem reconhecer os estragos de todos os lados, derrubando em seus instantes finais a noção fácil de que os alvos de seus golpes eram única e exclusivamente patifes merecedores de um toma lá, da cá financeiro. Afinal, quando se está falido, o prato de sopa será o mesmo que o do outro.

Se, como Ramona diz, os Estados Unidos são uma grande boate onde uns dançam e outros jogam o dinheiro, As Golpistas ganha pontos pela maturidade de reconhecer que esta disposição está sempre sujeita à mudança. Para o bem ou para o mal.

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