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Crítica | Brightburn: Filho das Trevas

Uma boa ideia, por mais simples que seja, pode ser bastante sedutora. Todo bom roteiro, afinal, deve partir ao menos de um bom argumento. Mas a qualidade do argumento nem sempre garante um roteiro necessariamente sólido, e este é o caso infeliz de Brightburn: Filho das Trevas, que se ancora na especulação do que ocorreria se um jovem super-homem usasse seus poderes para o mal. É um conceito forte, chamativo e que possui apelo em meio à cena atual dos filmes de super heróis e vilões, mas é surpreendente como os roteiristas Brian e Mark Gunn pouco acrescentam a ele.

Se muitos já imaginaram este cenário antes – e outros já consideraram Homem de Aço como prova suficiente da catástrofe que um super-homem descontrolado causaria à sociedade -, o filme dirigido por David Yarovesky (The Hive) chega para concretizá-lo nas telas sem quaisquer rugas adicionais. Esta é a história de um casal (Elizabeth Banks e David Denman) que adota um menino que caiu do céu, e que vivem em na pequena cidade do Kansas conhecida como Brightburn. Não há características marcantes para nada, nem para os locais – como lanchonetes, fazendas e bares de meio de estrada – e nem para seus habitantes, que inevitavelmente serão trucidados.

O fraco entrosamento da família principal deixa evidente que este é um projeto de intenções muito simples e maniqueístas. Quem espera por uma espécie de conflito interno para o jovem menino, pendendo entre o bem e o mal após a descoberta de seus sedutores poderes, será surpreendido por quão pouco o longa sai de seu caminho para explorar o estado emocional da criança. Afinal, não seria necessária maldade pura para que a situação já ameaçasse algum perigo: um garoto na puberdade pode ser incrivelmente volátil, imagine agora com poderes de voo e superforça! Porém aqui temos apenas um vilão típico de slasher, que mata por matar.

Brightburn assume tais intenções tão cedo, na verdade, que sua progressão torna-se dolorosamente previsível. Assim como não há suspense ou tensão em ver um longa protagonizado por heróis imbatíveis, o mesmo se dá com vilões. Apesar das tentativas dos Gunn em criar falsas esperanças no público, o saldo é o esperado. É uma pena que o caminho até a conclusão fique prejudicado, também, pela condução do garoto Jackson A. Dunn. Há pouquíssima nuance que se note nas ações de Dunn, que não encontra equilíbrio entre a confusão hormonal e a frieza remota, mantendo-se no segundo modo e compondo um retrato unidimensional de um psicopata.

Por isso, chega a ser desconcertante quão tarde na trama os pais do garoto, os únicos cientes de sua origem extra-terrestre, suspeitem de sua autoria nos assassinatos que passam a ocorrer na cidade de Brightburn. Quando esta suspeita surge, o longa adota alguns bem-vindos toques de humor auto-consciente, mas sem explorar uma nova dinâmica entre os familiares. Mesmo quando a maldade do garoto já está bastante clara a eles, os adultos cometem erros primários e ingênuos, deixando-se manipular pelo jovem – a mentira certamente não é um de seus superpoderes. É o tipo de estupidez que se percebe como maquinação do roteiro a fim de levar o projeto para o obrigatório final sombrio.

Os momentos de terror então se veem fragilizados pelo pouco engajamento com as personagens. Na indiferença, não estamos torcendo para as vítimas e nem fascinados pelo assassino. A construção que leva aos sustos consiste basicamente dos mesmos truques empregados em tantas produções do gênero: um instante de silêncio absoluto é rasgado por um som repentino; a câmera faz uma panorâmica para um lado e revela a ameaça quando retorna ao enquadramento inicial. Visto que esta é uma produção de James Gunn, não chega a ser muito surpreendente que o choque da violência gráfica ganhe prioridade sobre o cuidado com a atmosfera.

Se há algo que Brightburn entrega, é a sanguinolência, embora com propósitos rasos. Em um dos momentos mais chocantes do longa, vemos em detalhes uma das vítimas removendo um caco de vidro alojado em seu olho, algo que além de escatológico é aproveitado para criar uma dinâmica diferenciada de POV – visão em primeira pessoa. Em outro, o choque de uma mandíbula contra o painel de um carro deixa um estrago grotesco, que depois é representado de forma frontal e incômoda. Se está curioso sobre o que ocorreria se Superman se chocasse contra um humano comum em alta velocidade, isso também é respondido.

Esta violência aponta um pouco da mesma atitude bad-taste vista em projetos comandados pelo próprio James Gunn, como os ótimos Seres Rastejantes e Super. Caso não se comprometesse com um enredo tépido e abraçasse sua essência de comédia feel-bad, sugerida nas ótimas cenas durante os créditos, Brightburn: Filho das Trevas poderia decolar com sua premissa e levá-la a um lugar bizarro e realmente provocador, mesmo que sacrificasse seu apelo para grande parte do público. Como o slasher de pretensões genéricas que é, o filme de Yarovesky torna-se a kriptonita para seu próprio conceito promissor.

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