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Crítica | Brincando com Fogo

Como de praxe em Hollywood, estrelas de ação enfrentam uma série de ritos de passagem para que se provem intérpretes versáteis, capazes de assumir projetos variados conforme convêm aos estúdios e os públicos que procuram atingir. John Cena, nome de peso na luta livre profissional e há pouco mais de uma década fazendo sua estreia como protagonista nos cinemas com Busca Explosiva, agora passa pelo rito aparentemente necessário de encarar uma comédia infantil com Brincando com Fogo.

Não é novidade, entretanto, que este tipo de investida raramente rende projetos que, se não memoráveis, obtém sucesso em seu objetivo de entreter os pequenos sem abrir mão da qualidade. Afinal, como duas exceções, Um Herói de Brinquedo e Um Tira no Jardim de Infância não são as obras mais lembradas na filmografia de Schwarzenegger, por exemplo, mas ainda exibiam novas facetas do gigante austríaco e têm hoje uma parcela de admiradores. Brincando com Fogo faz estes dois filmes parecerem clássicos indiscutíveis.

A verdade é que Cena, por mais carismático que se mostre em outros projetos, ainda não possui o viço necessário para carregar uma trama tão esfarrapada quanto esta assinada por Dan Ewen e Matt Lieberman, este último um roteirista cujo nome tem surgido no horizonte por conta de sua participação em projetos como Free Guy: Assumindo o Controle. A premissa é clara como o dia: um grupo de bombeiros tem o dever de cuidar de três crianças resgatadas em um incêndio até que seus pais as busquem no quartel, o que deve levar alguns dias. Porém Ewen e Lieberman elaboram muito pouco sobre este cenário.

Este é o tipo frequente de roteiro que se desenvolve através de “beats”, e não situações completamente desenvolvidas, necessitando de uma capacidade extra de improviso por conta do elenco e mesmo a direção, assumida aqui por Andy Fickman (de Segurança de Shopping 2). Desta forma, nenhum detalhe soa plenamente formado na narrativa, como a relação de interesse amoroso entre o bombeiro de Cena e uma pesquisadora interpretada por Judy Greer, ou a história das três crianças, e nada disso serve a um desenvolvimento dramático contínuo.

Cena até possui um charme específico, metade brucutu mal-encarado e metade boomer em sua maneira limpa, antiquada de se expressar, mas é aparente que necessita de um texto bem direcionado para desbloquear seu potencial por completo. O elenco geral, que ainda conta com John Leguizamo e Keegan-Michael Key, também não parece possuir esta habilidade improviso de maneira uniforme – Key é quem mais tem sucesso por sua experiência na comédia de improviso, mas mesmo ele se vê refém de um roteiro pobre quando apela para o costume de gritar ou simular ânsia de vômito.

Enquanto isso, o diretor Fickman não se livra de seu legado maldito com comédias familiares e entrega o que lhe é pedido sem o desejo de melhorar sobre a encomenda, com um ar de produto artificialmente manufaturado para consumo imediato. No mais, a simplicidade exacerbada de sua decupagem das cenas, com um excesso de planos gerais e ângulos repetitivos, realça o despreparo que assola o projeto e entrega a falta de entrosamento do elenco – nisso, as crianças mais novas se saem especialmente mal, e não podemos culpá-las.

Nota-se também grande inconsistência na construção do humor, que usa e abusa de piadas com fezes e incontinência. Se este tipo de graça está incluso na proposta dos bombeiros que passam a exercer a função de pai e mãe para os pequenos, outros momentos já acenam para a completa bizarrice, como quando o grandalhão Axe (Tyler Mane) bebe fogo e cospe fumaça. Constituindo um dos poucos momentos a abraçar o lúdico de forma tão extrema, acaba se destacando junto com outras tentativas aleatórias de humor no resto do longa.

Brincando com Fogo, como um ou outro lançamento mirado no público infantil, até é capaz de fazer perdoar alguns de seus pormenores por conta de suas boas intenções, revelando em sua conclusão uma mensagem sobre a importância da adoção e acolhimento de crianças – outro projeto da Paramount, De Repente Uma Família, lidou diretamente com esta temática -, mas a falta de foco no humor e o magro desenvolvimento da trama prejudicam em muito o impacto final das boas ações pelas quais o longa prega.

Talvez um ou outro espectador saia inspirado a considerar a adoção, e com isso Brincando com Fogo já terá cumprido seu propósito. Mas dificilmente alguém será tocado pela obra em si.

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