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Crítica | Casal Improvável

Desde que Hollywood descobriu o poder da fórmula do odd couple, termo que pode ser literalmente traduzido como Casal Improvável, não por ironia o título da nova comédia estrelada por Charlize Theron e Seth Rogen, parecem não esgotar as ideias para filmes que desafiem a noção do público sobre o que de fato seria uma dupla ideal. Embora a fórmula seja mais usada pelo valor cômico de sua premissa absurda, aqui ela se aplica em uma trama romântica utópica, elevando-se acima de outros exemplares do subgênero por subverter expectativas e preconceitos políticos e de gênero com uma sinceridade irresistível.

Antes de partir para a trama em si, pode-se dizer que a turma formada por nomes como Seth Rogen, Evan Goldberg e Judd Apatow já possui também sua fórmula de sucesso, já que cada nova produção com envolvimento deles não se difere tanto das anteriores quanto à estrutura e mesmo o estilo do humor, com piadas específicas de cada premissa porém similares na entrega. Quando não está apenas por trás das câmeras como roteirista e produtor, Rogen parece sempre incorporar o mesmo tipo de personagem: o homem imaturo e largado que se vê desafiado a amadurecer diante de alguma situação, extraordinária – É o Fim – ou não – Ligeiramente Grávidos.

Aqui, há uma espécie de média entre esses dois registros. Rogen interpreta Fred, um jornalista investigativo que, após se demitir do veículo para o qual colaborava por questões morais, passa a escrever discursos bem-humorados para a atual Secretária do Estado, Charlotte Field (Charlize Theron), que deve ajustar sua imagem pública se quiser começar sua campanha pela presidência dos Estados Unidos. Mas há um detalhe: Fred é apaixonado por Charlotte desde seus 12 anos, período em que ela havia sido sua babá. Ela também nutre sentimentos por ele e os dois começam um relacionamento, apesar das diferenças e da possível desaprovação pública.

De forma parecida à que Nicholas Stoller fez o ótimo Vizinhos, o diretor Jonathan Levine busca tornar essa situação relacionável ao focar na espontaneidade do texto e dos atores, sem se preocupar com a verossimilhança das situações e sim das relações. Deve-se acreditar, acima de tudo, na química entre Rogen e Theron, alicerce principal da obra, e isso é atingido com grande êxito. Rogen está confortável na evolução de sua figura man-child, que tem amadurecido a cada novo filme e que aqui se mostra bastante charmoso e desejável como o parceiro motivador, pró-ativo e presente – digo, ele já encarnava um marido americano mais que ideal em Vizinhos.

Charlize, por sua vez, exibe aqui um excelente timing cômico e uma abordagem hábil do humor seco, favorecido pelo semblante férreo que tornou-a em uma das figuras femininas mais fortes de Hollywood. Não acho nenhuma surpresa que Theron tenha tanto sucesso na comédia, já que a atriz havia mostrado tal sensibilidade em uma sorte de conteúdos – sua entrevista em Between Two Ferns -, mas é ótimo vê-la exercer esse talento para o humor em uma produção de destaque. O trecho no qual Charlotte está sob efeito de MD e deve negociar a soltura de um refém de guerra é uma joia por extrair humor de sua transição abrupta entre uma postura diplomática para outra completamente descontraída.

Rogen e Theron então fazem do improvável algo surpreendentemente sincero, com trocas de diálogo que podem ser tanto ácidas e politicamente incorretas, quanto genuinamente românticas, e às vezes, as duas coisas ao mesmo tempo! A facilidade com que navegam pelas notas do material torna os momentos formulaicos – afinal, a base desta premissa é mais velha que o vento – bem mais aproveitáveis do que na média das comédias românticas contemporâneas. Há real beleza, por exemplo, na dança dos dois ao som de It Must Have Been Love, faixa icônica de Roxette na trilha de Uma Linda Mulher, um momento com a intenção genuína de se fazer apaixonar – genuíno também no uso do álbum no Spotify.

A sinceridade ainda se aplica na visão política do filme, decididamente mais alinhado a uma agenda progressista sem tornar-se panfletário. Se os diálogos soam caricaturais de início, com personagens que anunciam suas intenções boas e ruins através da fala, o roteiro de Dan Sterling e Liz Hannah está consciente disso e vira seus julgamentos morais de cabeça para baixo no terceiro ato – ou, talvez, apenas os chacoalhe um pouco. Isso não só ajuda a obra a alcançar o espectador fora de seu principal espectro político, como também é aplicado no arco de Fred, que deve se colocar no lugar de Charlotte e reconhecer que ela, afinal, governará um país dividido e portanto terá de fazer concessões.

Limitado apenas por convenções de execução como a trilha de comercial bancário e a montagem que trunca o período entre a separação e a reconciliação – comédias românticas como esta se beneficiariam de mais tempo de reflexão -, Casal Improvável cumpre suas funções excepcionalmente bem, agradando a todos sem adular e nem largar suas convicções para trás. Esta é uma fantasia romântica ainda utópica nestes tempos: o homem que não julga, mas apoia sua parceira poderosa sem querer crédito; a mulher que diz em alto e bom som que não tolerará chantagens de homens poderosos e sai vantajosa. Com sinceridade e humor afiado, este filme nos instiga a tornar o improvável, provável.

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