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Crítica | Cats

Poucos filmes causaram tanta comoção nas redes sociais e imprensa especializada este ano quanto Cats. A adaptação em live-action/CGI de Tom Hooper para o clássico musical da Broadway foi o assunto mais falado quando o primeiro trailer foi lançado na metade deste ano; mas pelos motivos errados. A composição visual e os efeitos digitais que criavam híbridos entre humanos e felinos era simplesmente horrorosa, o que gerou diversos memes e piadas entre os cinéfilos. Não era possível que algo tão capenga e amador poderia estar mesmo sendo lançado nos cinemas, que seria digno de vergonha eterna para todos os envolvidos. É justamente isso o que o filme de Cats traz. Mas ninguém poderia imaginar a dimensão do estrago.

O roteiro assinado por Hooper e Lee Hall faz um trabalho mais “robuscado” em cima do material original. A peça de Andrew Lloyd Webber (que se inspirou em alguns poemas de T.S. Elliot) não traz uma narrativa propriamente dita, tampouco uma trama: é a história de diferentes gatos de rua que protagonizam suas próprias canções, tentando convencer a anciã Old Deutoronomy (Judi Dench) que devem ser escolhidos para serem reencarnados no Paraíso dos Gatos. É isso.

Não há muito com o que trabalhar aqui, e o grande esforço de Hooper e Hall nesta adaptação encontra-se na personagem de Victoria (vivida pela estreante Francesca Hayward), uma gata abandonada que acaba servindo de “guia” para o espectador, já que ela também está adentrando nesse mundo felino pela primeira vez, o que serve como muleta para as inúmeras introduções e números musicais que acompanharemos pelos intermináveis 110 minutos restantes. Sim, caso não tenha ficado claro a partir da introdução: Cats é um fracasso gigantesco. Uma das obras mais vergonhosas que Hollywood ofereceu nos últimos anos.

Nem mesmo entre os grandes admiradores de musicais dão muito valor a Cats. Webber trouxe grandes obras primas no ramo, mas não há muito o que resgatar em sua odisseia insana de felinos cantantes. É uma execução que pode funcionar melhor nos palcos, afinal a experiência de ver maquiagens elaboradas e cenários gigantescos é mais impactante em um nível presencial. Em um filme de quase 2 horas e que dedica todas as suas maquinações de tramas a canções, é um grande tiro no pé. Dizer que Cats tem uma estrutura episódica seria um eufemismo, já que estamos literalmente assistindo a uma série de vinhetas que são praticamente desconexas – sem contar o vilão vergonhoso de Idris Elba.

Isso porque nem abordamos o grande problema de Cats: toda a execução visual. A escolha de Hooper em criar híbridos práticos e digitais de “humanos gatos” é do tipo de ideia que não faz sentido ter passado da sala de criação. O resultado é indesculpavelmente ruim, do tipo que faz a tecnologia de captura de performance andar uns 20 passos para trás: a integração dos rostos dos atores com pelos, orelhas e bigodes digitais é digna de um aplicativo de celular, e raramente surge convincente – ver cabeças flutuando é um efeito constante, e que fica ainda pior quando o filme tenta nos traumatizar com híbridos de humanos com baratas e ratos; que ainda alternam em suas respectivas escalas.

É um efeito que literalmente destrói qualquer esforço de seu elenco. É possível sentir que Jennifer Hudson entrega o seu melhor durante uma rendição poderosa de “Memory”, ou que Taylor Swift realmente traz uma presença física poderosa em seu número mais burlesco, mas a péssima integração digital destrói o vale da estranheza: tudo fica estranho, errado e – no pior (ou melhor) dos casos – absolutamente hilário. É impossível assistir a esse filme de cara fechada, e pessoalmente me encontrei dando gargalhadas involuntárias durante diversos momentos do filme, especialmente nas performances que misturam atos humanos com os de gatos de forma absurda. Ver Elba miando e evaporando no ar, ou Judi Dench deitada como Kate Winslet em Titanic e levantando sua perninha são cenas que estão permanentemente tatuadas em minha memória.

Tal decisão também afeta profundamente o trabalho de coreografia nos números musicais. O marketing da Universal Pictures orgulhou-se de ter em mãos Andy Blankenbuehler, que montou as danças e movimentos do elogiado musical Hamilton, de Lin Manuel-Miranda, mas o que vemos pelas lentes de Tom Hooper se torna um pesadelo. Os movimentos dos “pelos digitais” parecem não acompanhar os movimentos dos dançarinos, sendo particularmente bizarro que todos os “gatos” tenham pés e mãos humanos sem qualquer revestimento digital. Foi como assistir ao novo Suspiria, mas ainda mais assustador.

Nunca houve um filme como Cats. É ruim, mas ruim em um nível espetacular, e que nitidamente não estava inteiramente renderizado. É de sentir pena por todo o talento envolvido, já que a sensação de vergonha alheia começa logo nos segundos iniciais, sendo lentamente substituída pelo riso histérico até os créditos finais começarem a miar. Digo, subirem.

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