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Crítica | Cinderela e o Príncipe Secreto

A esse ponto, a história de Cinderela foi contada e recontada à exaustão. Desde adaptações diretas a versões revisionistas, já se viu de tudo – ok, talvez não uma paródia com zumbis. Por causa disso, toda vez que uma nova versão chega aos cinemas, é inevitável recebê-la com um encolher de ombros. Isso não é diferente com a nova animação Cinderela e o Príncipe Secreto, que parte de uma premissa alternativa à original mas que comete uma série de tropeços ao longo do caminho, no fim falhando também em justificar sua existência para além de uma mera distração para os pequenos.

A trama de Cinderela e o Príncipe Secreto começa um tanto confusa, já que o narrador reapresenta a história que já conhecemos da princesa mas quer recontá-la de uma nova perspectiva. No caso, a de um rato que vive com os amigos na casa da madrasta de Cinderela, que ainda não calçou o sapato de cristal. Quando é informada do Baile Real, ela vai até sua amiga feiticeira e pede por um vestido novo. A partir daí, a história muda radicalmente em relação à original: durante a dança de Cinderela com o príncipe, os três ratos amigos e a feiticeira descobrem que o verdadeiro príncipe foi há anos transformado em um rato por uma bruxa maligna.

Depois dessa revelação, Cinderela, os ratos e a amiga feiticeira partem em uma jornada para descobrir quem é o príncipe e transformá-lo de volta à sua forma humana, permitindo-o reganhar o controle de seu reino. Desde o começo, o longa sequer esconde qual dos ratos é o tal do príncipe, portanto o mistério do título morre quase que imediatamente. Isso pode até não ser um grande problema para as crianças, mais interessadas nas imagens coloridas e movimentadas, mas deve entediar os pais que esperam ser incluídos na diversão. De qualquer jeito, poderia haver mais cuidado com a trama, que pega elementos de diversos outros filmes conhecidos.

Entre suas “inspirações” narrativas, destaca-se especialmente Shrek 2, com a transformação do personagem em humano, o príncipe maligno que roubou o trono e até mesmo a fada madrinha que passou para o lado do mal. Além de apresentar tantos elementos semelhantes aos da animação da Dreamworks, o desenrolar de Cinderela e o Príncipe Secreto replica seu final quase que inteiramente, fazendo uma amálgama com o primeiro Shrek: há a luta com o príncipe, a batalha final com a fada madrinha e o sacrifício do rato de sua forma humana para salvar a princesa, que vai aceitá-lo em sua natureza verdadeira.

Essas e outras referências, além das liberdades tomadas pela narrativa diante da história original, fazem questionar se teria alguma diferença caso Cinderela e o Príncipe Secreto focasse em outra princesa, como Rapunzel ou Branca de Neve, cujos filmes também tem elementos visuais reutilizados aqui. A completa falta de identidade da animação a torna facilmente substituível por qualquer outra, talvez até mesmo sem o custo do ingresso, resultando numa experiência difícil de recomendar para além de casos de emergência, como dias de chuva ou falta de opções em cartaz. No final, é capaz que os pequenos nem absorvam muita coisa dessa história, inferior a muitas outras da princesa.

Inferioridade que, por sua vez, se reflete na qualidade da animação. Não há sentido em esperar o padrão Disney Pixar em uma produção de baixo orçamento como essa, é claro, mas a computação gráfica incomoda em sua falta de fluidez e peso, fazendo com que os personagens pareçam flutuar sobre o chão e aparentem não ter contato com o resto do cenário. A falta de inventividade nos modelos de personagens, figurinos e criaturas também acaba ressaltando a diferença de qualidade em relação a outras animações infantis, incluindo até mesmo o recente Fantástica, que tinha limitações mas ainda apresentava boa criatividade visual. Há também alguns problemas, como cortes secos de som e pulos visuais, que machucam o aproveitamento da ação.

Ao final de Cinderela e o Príncipe Secreto, é dito pelo narrador que a história de Cinderela será “contada para sempre”. Isso provavelmente é verdade, já que seu conto tem centenas de anos e continua a gerar um grande leque de produções novas, a maioria delas focada no público infantil. O problema, no entanto, é exatamente a quantidade, e sobram produções que estão aí apenas para cumprir cota e, se tiverem sorte, fazer algum dinheiro no processo. Não há nada de errado com isso, e muitos filmes hoje tidos como originais são repetecos muito bem disfarçados de velhas fórmulas que ainda funcionam. Porém, com esta animação, seria necessária a ajuda de uma fada madrinha para fazê-la gerar algum encantamento.

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