Filmes

Crítica | Crimes em Happytime

Os desenhos animados já tiveram sua vez de protagonizar um filme noir, então por que não fazer o mesmo com fantoches? Com essa coceira, o diretor Brian Henson, filho do criador dos Muppets Jim Henson, passou anos tentando tirar do papel seu projeto Crimes em Happytime, uma sombria história de detetive ambientada em um mundo co-habitado por humanos e fantoches. Em 2018, o sonho de Henson se concretiza como uma comédia repleta de humor chulo, com os personagens felpudos xingando, transando e matando nas telas de cinema. Mas valeu a pena?

A princípio, Crimes em Happytime conta com um aspecto muito atrativo: sua construção de mundo (a tal da “worldbuilding”). No mundo em questão, há uma segregação clara entre os humanos e os fantoches. Enquanto os primeiros predominam e ocupam as posições de maior prestígio na sociedade, os últimos são raramente levados a sério, tratados por nossa espécie como personagens de desenho animado. Esse contexto sobre o qual o filme se baseia é extremamente promissor, já que possibilitava tanto uma comédia inteligente quanto uma ressonância temática, mistura encontrada em obras como a série original Netflix BoJack Horseman e o filme Zootopia, melhor animação da Disney em anos.

Outro motivo de promessa é a trama principal. O detetive particular Phil Phillips (Bill Barretta), um fantoche expulso de seu cargo na polícia de Happytime, se depara com um caso perturbador: os membros do elenco de uma sitcom famosa, The Happytime Gang, são brutalmente assassinados um a um, incluindo o próprio irmão de Phil. Pouco ortodoxo em seus métodos, ele conta com a ajuda da detetive Connie (Melissa McCarthy), antiga parceria na polícia que foi encerrada após um terrível acidente de trabalho. Mesmo com o atrito entre eles, Phil e Connie navegam juntos pelo submundo de Happytime para impedir mortes futuras e descobrir a identidade do assassino.

Com esse combo de um contexto interessante e a estrutura narrativa de um “film noir”, além da liberdade proporcionada por uma censura alta, Brian Henson e o roteirista Todd Berger tinham ouro em suas mãos. Mas este ano de 2018 continua implacável com suas decepções e Crimes em Happytime soma mais uma delas. Dos três elementos mencionados, o filme de Henson prefere trabalhar apenas com os limites que sua censura garante, aproveitando toda chance que tem para colocar palavrões nas bocas dos fantoches e humanos. Isso não quer dizer que Happytime não tenha seus momentos, mas a falta de solidez do resto cria uma experiência vazia de carisma ou boas ideias.

De início, Henson consegue segurar o espectador cinéfilo com uma boa emulação de suspenses policiais noir. Tudo começa no escritório do detetive Phillips, com a visita de uma cliente misteriosa, à maneira de clássicos como Relíquia Macabra. A narração de Phillips, apesar de meramente expositiva, também contribui para o clima noir, com uma boa entrega do desconhecido Barretta. No entanto, conforme o longa avança, vemos que não há nada além de uma repetição vazia de clichês do gênero, sem qualquer tentativa de subvertê-los. Com isso, o aproveitamento do enredo depende inteiramente da experiência prévia do espectador com filmes noir, além da tolerância de um humor bastante juvenil.

Sem charme ou mistério, sobram apenas piadas para preencher as lacunas, e Crimes em Happytime sofre com a inconsistência delas. Algumas interações entre Phillips e Connie dão um vislumbre de uma boa comédia de parceiros policiais, como a dificuldade da última em ler os lábios de fantoche do parceiro ou mesmo o passado trágico dos dois. Certos detalhes cenográficos também agradam, como a geladeira cheia de xaropes de Connie, que tem, pasmem, um fígado de fantoche – isso é coerente com a construção do mundo, que estabelece que os felpudos são vidrados em açúcar. Porém são pouquíssimos momentos de humor substancial em meio a tantos que consistem apenas de fantoches e humanos gritando ofensas.

O maior crime aqui é, sem dúvidas, o quanto essa ótima premissa resultou em uma produção tão esquecível. Roger Rabbit e Zootopia apresentavam conceitos e ousavam na expansão deles, com resultados encantadores. Crimes em Happytime, por sua vez, tem medo da ousadia – a violência e o sexo são gráficos, os diálogos baixos, mas não há nada de novo nisso. Sem muito mais o que oferecer, a graça de ver fantoches agindo incorretamente acaba rápido, e a enxuta experiência escapa da mente momentos após os créditos rolarem. Nem mesmo esses, que detalham o excepcional trabalho com fantoches, ajudam a tirar o gosto de potencial desperdiçado.

Sair da versão mobile