Filmes

Crítica | Dor e Glória

Vai começar a retrospectiva Pedro Almodóvar!

Calma, calma lá! O cineasta espanhol que é ainda o maior símbolo da chamada Movida Madrilenha, movimento da contracultura que aconteceu em Madrid na década de 70 nos primeiros anos da transição da Espanha pós-franquista (regime ditatorial do General Francisco Franco) não (!) está se aposentando ou coisa pior. Não. Esta é apenas a mais justa maneira de descrever sua mais recente obra, o drama melancólico Dor e Glória, estrelando Antonio Banderas, parceiro de longa data, como o protagonista Salvador Mallo, que é um alter ego do autor de cinema espanhol.

Melhor parar com as cerimônias! Esqueçam a palavra ‘alter’, pois é o ego direto e reto do próprio diretor. Antonio Banderas recria Almodóvar, das roupas até o cabelo arrepiado, mesmo em alguns momentos (no caso, os mais introspectivos) podemos ver e sentir parte do espírito do cineasta. Até o apartamento da produção é o do próprio.

Dor e Glória põe Pedro Almodóvar no divã, na história de um diretor de cinema melancólico pelas dores que sente no corpo, principalmente em suas costas que o impedem de poder trabalhar, já que é necessário energia, dedicação e foco para produzir um novo filme, e sua saúde o impossibilita para tal ofício. Na dificuldade de conseguir olhar para frente, o cineasta retorna ao seu passado, literalmente e em devaneios, revivendo alguns de seus momentos marcantes na busca de algo que possa aderir ao seu presente estado.

Quando se comenta a ideia de retrospectiva ao definir Dor e Glória é devido o fato de que o autor Almodóvar irá aqui neste filme revisitar algumas de suas obras, ao menos, alguns elementos de sua filmografia. Alguns dos trabalhos que serão encontrados em sua recente obra que esteve na competição principal do Festival de Cannes que aconteceu mês passado, e conseguiu levar um prêmio para casa, de melhor ator para Banderas, são por exemplo: Tudo sobre Minha Mãe, Má Educação, e A Pele Que Habito (este que continua sendo seu trabalho mais excepcional nos últimos dez anos).

Neste filme protagonizado por Banderas, o diretor usa da metaficção, mergulhando em seu passado para discutir a finitude e suas amostras que são algumas vezes irreversíveis. Assim, Almodóvar nos oferece um tom mais sóbrio, até sorumbático. É de se lamentar que mesmo neste clima, algo mais incomum no cinema do autor espanhol, tenha encontrado alguns desníveis, deixando a linha narrativa ligeiramente irregular ao tentar se agarrar com tantos elementos de sua própria vida e filmografia.

O que de melhor há em Dor e Glória resume-se na interpretação contida, mas cirúrgica para com o contexto do astro Antonio Banderas. É fácil imaginar que algo que possa ter contribuído muito para com a atuação de destaque do ator nascido em Málaga, Andalusia é o fato de ambos, ator e diretor, se conhecerem a muito tempo, e terem uma relação de confiança criada a base de concordâncias e oposições dos dois lados. Isso desenvolve maturidade para poder compreender melhor o outro, ajudando na construção e tratamento do personagem.

O trabalho de Banderas realmente comove, especialmente quando temos a chance de testemunhar uma rachadura neste casco, que ocorre no encontro entre Salvador e Federico, interpretado pelo ator argentino Leonardo Sbaraglia, que faz um antigo amor do diretor enfermo.

Vale destacar também a performance de Asier Etxeandia: vibrante, desatado e imponente como o ator Alberto Crespo que ficou décadas brigado com Salvador.

Este é o maior elogio possível a se fazer em Dor e Glória, que como de costume o cineasta Pedro Almodóvar ainda consegue com enorme paixão tirar performances superlativas de seu elenco, seja masculino ou feminino. Pena que esta paixão acabou faltando em alguns momentos da obra atual. Algo de más caliente que pôde ser visto aqui, foi na cena onde Salvador se desfaz do trabalho de Alberto como ator em um de seus filmes falando ao telefone. Uma cena também engraçada.

De resto, vemos Almodóvar novamente exaltar a figura de sua mãe, só que sem grande ênfase ou ternura já vistas em outros de seus filmes; e fazer algumas transições de montagem belíssimas. Além de um twist interessante na cena final do longa onde o diretor espanhol põe cinema, ilusão e devaneios circulando pelo mesmo patamar, sendo todos uma ação ou reação da mesma verdade inexorável: nós.

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