Filmes

Crítica | Dora e a Cidade Perdida

Desde o anúncio de uma adaptação live-action do desenho animado de sucesso Dora, A Aventureira, todos coçavam suas cabeças quanto à abordagem que seria dada ao material. O mais próximo que a produtora Nickelodeon chegou de experimentar propriedades suas em carne e osso foi o segundo longa-metragem de Bob Esponja, onde as personagens marítimas ainda eram criações em CG justapostas a imagens realistas.

É um alívio constatar que o diretor James Bobin, de Muppets: O Filme, e os roteiristas Nicholas Stoller (Vizinhos) e Matthew Robinson contornam o desafio com alguma graça, ao propor um equilíbrio entre adaptação fiel e paródia do desenho original em Dora e a Cidade Perdida. Stoller, especificamente, é o tipo de criador que já comprovou uma flexibilidade entre o humor adulto e o entretenimento infantil, acrescentando boas doses de sarcasmo.

O longa tem seu início com um cenário de peixe fora d’água, retratando a transição de uma Dora (Isabela Moner) já adolescente das selvas ao ensino médio comum. Porém está claro desde o princípio que não será o tipo de narrativa que ri do peixe, estabelecendo o otimismo e resiliência de Dora como qualidades inestimáveis em meio a outros jovens que usam da ironia e até mesmo do bullying para esconder suas próprias inseguranças.

Apesar de uma premissa forte o suficiente nestes primeiros minutos, Dora e a Cidade Perdida não tarda até evoluir em uma espécie de Indiana Jones para menores, apresentando a busca por uma misteriosa cidade dourada no meio da selva amazônica. No percurso até este objetivo, há novos rostos, algumas traições e diversas armadilhas pelas quais Dora e o grupo de jovens que a acompanha devem atravessar com trabalho em equipe.

Todas estas situações são construídas também para um efeito cômico satisfatório, apostando nos arquétipos representados por cada uma das personagens com a proposta de humor comportamental, e não o mero deboche. O cinismo exagerado de Sammy (Madeleine Madden), a pose de machão de Diego (Jeff Wahlberg) e o desajeitamento do nerd Randy (Nicholas Coombe) servem ao humor à medida que também são desconstruídos.

Com tantos personagens que crescem ao longo da narrativa, a mais inspiradora certamente é Dora, que conta com uma excelente intérprete em Isabela Moner. A jovem atriz já deixou promessa com seu papel nuançado em Sicario: Dia do Soldado, mas aqui entrega sua melhor interpretação e revela um alcance invejável ao conferir a Dora tanto uma comicidade quanto uma aura inspiradora, às vezes de forma simultânea. É um desempenho radiante.

O elenco de apoio, que ainda inclui o comediante mexicano Eugenio Derbez como um aventureiro duvidoso e nomes de peso como Michael Peña, Eva Longoria e Adriana Barraza nos papéis de pai, mãe e avó de Dora, estão igualmente comprometidos com a atmosfera de “filme Nickelodeon”. Assim como Antonio Banderas interpretou Barba Negra no segundo longa de Bob Esponja, a dedicação dos atores com o entretenimento é visível, da mesma forma que injetam sinceridade genuína em momentos.

Apenas a participação do vilão Raposo, dublado na versão original por ninguém menos que Benicio Del Toro, deixa a desejar tanto em sua inserção aleatória na narrativa quanto na falta de aproveitamento dos talentos de seu intérprete. É um elemento que ainda ilumina alguns o principal problema de Dora e a Cidade Perdida: a tendência em se perder ao longo do caminho. Tudo bem, é o que se espera de uma aventura em que adolescentes buscam por um tesouro que não conhecem, mas a perda de impulso cria instantes inesperados de tédio.

É do crédito do script de Stoller e do elenco, além da montagem bem ritmada de Mark Everson (dos excelentes Paddington e Paddington 2), que Dora e a Cidade Perdida consegue manter um sorriso constante no rosto, mesmo que a execução das cenas de aventura e solução de quebra-cabeças não seja inspirada. Vale dizer também que a trilha sonora de John Debney e Germaine Franco é atraente ao emprestar ideias de compositores como John Williams e James Horner, nomes icônicos do gênero.

No fim, Dora e a Cidade Perdida atinge muito mais que seu objetivo de fornecer uma aventura para crianças e adultos, sendo além disso um tributo às pessoas radiantes que vez ou outra encontramos ao nosso redor. Encerrando com um número musical mais charmoso do que sofisticado, com uma coreografia desajeitada que de certa forma faz do momento mais simpático, o filme de Bobin rima com Gloria Bell: até mesmo em situações duras, certas pessoas continuarão dançando.

Escolha o Streaming e tenha acesso aos lançamentos, notícias e a nossas indicações do que assistir em cada um deles.