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Crítica | Duas Rainhas

O título nacional de Mary Queen of Scots, Duas Rainhas, sugere de certa forma a união ou equivalência de duas mulheres poderosas: a jovem rainha escocesa Mary (Saoirse Ronan) e a monarca inglesa Elizabeth I (Margot Robbie). Ironicamente, o filme de estreia de Josie Rourke, experiente no teatro, é muito mais sobre o desencontro dessas duas rainhas em meio ao jogo político dominado por homens. Há muito mais tragédia do que um empoderamento nesta produção, e embora a história real que o inspirou seja interessante e tenha mudado o rumo de um continente, o resultado não provoca grande entusiasmo.

Através de uma cartela de texto, somos introduzidos ao contexto histórico que precede o recorte escolhido pelo roteirista Beau Willimon (House of Cards). Mary, católica, viaja de volta à Escócia após o falecimento precoce de seu marido, um monarca francês, para retomar a rédeas de sua nação, governada provisoriamente por seu irmão James (James McArdle). Elizabeth, protestante, enquanto isso, encara sua incapacidade de gerar um herdeiro, o que resultaria em uma perda de influência sobre o jogo político, e portanto passa a temer a volta da jovem monarca escocesa, que é também sua prima, ao solo europeu.

O temor se consolida quando Elizabeth se vê obrigada a agradar a parcela de ingleses católicos, propondo que Mary case com um inglês. Não tarda muito até que Mary engravide e declare que a criança será a sucessora por direito às terras escocesas e inglesas, o que a coloca em uma situação delicada com a rainha inglesa, em meio a diversas outras tensões. Desagradando ainda o irmão, os diplomatas ingleses, os protestantes de seu país e resistindo às inúmeras tentativas de manipulação por terceiros, vemos a sucessão de infortúnios que levaram à completa ruína de Mary e seus confidentes.

Se a trama de Duas Rainhas soa como uma espécie de sucessão de eventos trágicos como meio de exaltar a protagonista, a impressão que se tem não é completamente equivocada. Apesar da importância histórica – ser uma de duas rainhas em uma época como aquela já era um feito notável -, o roteiro de Beau Willimon supõe que o sofrimento incessante de sua protagonista constitui, por si só, um sinal de sua nobreza, o merecimento de uma canonização, quando suas ações são, na verdade, movidas exclusivamente pela disputa do poder. Sua intenção era a de tomar o poder e garantir seu lugar no panteão dos poderosos.

A inclusão de toques progressistas, como retratar o cortesão David Rizzio (Ismael Cruz Córdova) como homossexual – algo possível, mas não confirmado -, promete mas parece usada apenas como tempero para o melodrama e enobrecer Mary com uma indignação anacrônica contra o preconceito dos homens, e talvez não parta de um interesse genuíno em explorar essa diversidade – embora a presença de intérpretes de diversas etnias seja admirável. A identidade sexual de Rizzio, morto em um complô, acaba servindo a nada mais que deixar a violência que sofre mais apelativa, de forma questionável e manipuladora.

Porém, as atrizes defendem o drama com firmeza, em especial Ronan. Como a rainha jovem, forçada a amadurecer para continuar viva, a atriz evoca em igual medida a insegurança e a determinação da personagem, ciente de que está entre uma legião de homens não tão dignos de sua confiança. Há, por si só, efeito em ver uma garota encarando homens com o dobro de seu tamanho, mas Ronan vai além e traz, além da intimidação na linguagem corporal, um olhar de quem já viu muito, de quem realmente possui grande sabedoria e talvez até bondade. Seus embates com o irmão são a epítome disso.

Robbie, por sua vez, é quase uma coadjuvante de luxo – e cobaia para o time de maquiagem, merecidamente indicado ao Oscar este ano -, dando as caras pontualmente. Porém, com o tempo que tem, causa uma forte impressão em um papel mais sóbrio do que o habitual. Àqueles que esperam Ronan e Robbie frente a frente, no entanto, devem se decepcionar já que as duas possuem apenas uma única cena juntas – uma boa cena, ainda assim, potencializada pelo uso efetivo do espaço cênico para representar os obstáculos que as impedem de se enxergar uma na outra, algo que Willimon, por sua vez, falha em evocar.

O olhar da diretora Josie Rourke também torna Duas Rainhas mais dramaturgicamente proveitoso, se não realmente engajante. Nem todas suas escolhas fogem do ordinário, mas a cineasta encontra algumas boas oportunidades visuais de momento em momento, como o raccord gráfico entre as imagens de Mary dando a luz e Elizabeth criando um bordado, rimando com a presença chamativa da cor vermelha e o ângulo exato de suas pernas abertas. O design de produção arejado, a fotografia naturalista e os figurinos diversos ainda acrescentam a momentos de pura beleza pictórica, o que facilita uma apreciação.

Ao fim, os aspectos técnicos caprichosos e as interpretações sólidas agradam e entretêm, mas o roteiro de Willimon não se esclarece a que veio além do melodrama. O filme assume uma importância para sua figura central, que nos envolvamos com seu infortúnio por sua tragédia e não por sua imponência. Willimon ainda procura agradar ao imaginário britânico ao, no último minuto, enfatizar que depois de tanta trapaça contra a prima, Elizabeth teria profundo arrependimento pelo rumo que as coisas tomaram. Algo no mínimo ingênuo para uma narrativa baseada em um cinismo apelativo.

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