Até hoje testemunhamos como o brasileiro, roqueiro ou não, sabe de cor e salteado cantar os versos e refrões das canções “Tempo Perdido”, “Será”, “Pais e Filhos”, “Quase Sem Querer” e “Ainda é Cedo”.
Obviamente que todas citadas acima fazem parte do catálogo da banda de rock brasileiro batizada como Legião Urbana, que surgiu no ano de 1982 trazendo uma mistura de punk rock, pós-punk, alternativo e folk, mas que principalmente trouxe o cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista Renato Russo (1960 – 1996) para o nosso conhecimento.
O grupo fundado por Russo (voz, teclados e violão) e Marcelo Bonfá (bateria e percussão), que ainda contava com com Dado Villa-Lobos (guitarra) e Renato Rocha (baixo) mudou a história da música nacional. Eles possuem uma discografia de oito álbuns de estúdio, três compilações e cinco álbuns ao vivo (um deles sem a presença de Renato Russo), que venderam por volta de 25 milhões de cópias em seus catorze anos de atividade, tornando-se o segundo grupo musical brasileiro que mais vendeu discos na história, além de fazerem parte do chamado “quarteto sagrado” do rock brasileiro, juntamente às bandas Barão Vermelho, Titãs e Os Paralamas do Sucesso.
Tamanho currículo e relevância foram mais que o suficiente para que o fã e diretor René Sampaio (estreante na época) apresentasse sua versão cinematográfica Faroeste Caboclo (2013), baseada em mais uma faixa musical clássica da Legião Urbana, sobre a história de João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira), homem nordestino que chega à Brasília em 1987, torna-se traficante e apaixona-se por Maria Lúcia (Isis Valverde).
Passados quase nove anos, percebemos que a paixão de Sampaio pela banda de Renato Russo não diminuiu nem um pouquinho, uma vez que finalmente veremos Eduardo e Mônica (faixa do álbum Dois), uma história de amor que acompanha o relacionamento de Mônica (Alice Braga) e Eduardo (Gabriel Leone), que precisam superar as muitas diferenças para viver um grande amor na Brasília dos anos 1980.
Sobre Brasília
É mais que natural que narrativas do tipo comédia dramática focadas no romance do par protagonista disponham de uma dupla de atores que sejam capazes de carregar todo o peso dessa história adiante. Algo que flui de maneira espontânea em Eduardo e Mônica, que apostou no jovem Gabriel Leone e na experiente Alice Braga, respectivamente, nessa proposta de dar vida à duas figuras conhecidas de boa parte dos brasileiros que já cantarolaram os criativos versos escritos por Renato Russo.
Porém, fica fácil afirmar que o bom trabalho da dupla protagonista foi facilitado por uma produção artística que recriou uma Brasília do final dos anos 1980, que não apenas situa o caso de amor dos opostos amantes, mas especialmente indica que tal fervor assim como ele era, só poderia ter surgido lá.
A primeira noite de ambos na capital federal brasileira, talvez, representem o momento mais mágico da obra de René Sampaio, que decididamente acertou na escolha dos profissionais Tiago Marques e Gustavo Hadba, responsáveis pela direção de arte e fotografia de Eduardo e Mônica, respectivamente.
Pelas lentes de Hadba pudemos sentir todo o calor estranhamente inquestionável do casal, assim como as forças que os separavam nos momentos mais críticos, quando à realidade das oposições encarnaram uma carga maior do que imaginavam.
Sobre nossas diferenças
Existe algo de muito atual e encorajador na narrativa do longa-metragem de Sampaio, que personifica dois seres realmente diferentes, exatamente como indica a canção popular da Legião Urbana.
Assim como nos anos 1980, (ainda) vivemos tempos onde podemos perceber potências discordantes como parte essencial de alguns problemas sociais e políticos de nosso país. Também é muito claro que infelizmente temos uma parcela considerável da população que se fechou cada uma no seu extremo, sem qualquer possibilidade de diálogo que poderia representar alguma transição para uma realidade diferente da que analisamos.
Por essas e outras que vem em boa hora algo como Eduardo e Mônica, que acredita (mesmo que de maneira ingênua) no amor triunfando em qualquer cenário, pois levando em consideração nossa realidade recente vivida todos os dias por cada um de nós, talvez, só o dinamismo elétrico do amor poderia movimentar nossa trajetória sempre adiante.