Filmes orientados ao público cristão sempre tiveram uma dificuldade de atender qualquer espectador além dele, ou seja, quase sempre pregam para convertidos. Recentemente, no entanto, algumas dessas obras – ainda bem focadas no cristianismo – tem adotado uma abordagem mais generalizada da fé para conversar com esse outro espectador. Entrevista com Deus, novo drama cuja renda na bilheteria será doada à caridade, coloca os dois pés no cristianismo mas também é capaz de segurar o interesse de alguns ateus – mesmo que, conforme avance para a reta final, perceba-se prega apenas para convertidos.
No início de Entrevista com Deus, o jornalista de guerra Paul Asher (Brenton Thwaites) volta para casa e vê sua relação com a esposa Sarah (Yael Grobglas) em ruínas. Após testemunhar horrores no Afeganistão, anseia por um sinal da existência de Deus e, mesmo de licença, decide continuar trabalhando para preencher esse vazio. Começa, então, a entrevistar um misterioso homem (David Strathairn) que diz ser nada mais, nada menos que Deus ao longo de três dias, com o aval do editor-chefe Gary (Hill Harper). Assim que Asher começa a questionar o sujeito com perguntas mais difíceis, percebe que suas conversas talvez não tenham sido inteiramente ao acaso.
Confuso, não? O roteiro de Ken Aguado deixa uma série de lacunas no início, algumas mais estranhas que outras. Não se sabe o que de fato aconteceu para abalar a relação de Paul e Sarah, apenas supõe-se que um erro foi cometido por um dos dois. Também não se sabe como se deram as entrevistas: como foram marcadas, qual o intuito por trás delas e nem porque Paul questiona tão pouco o sujeito que se diz Deus. Até mesmo seu editor-chefe, quando informado da entrevista com a divindade, não duvida da integridade do material. Porém, se tudo isso parece um problema de construção narrativa, pouco a pouco as peças começam a se juntar.
Em comparação à maioria dos filmes desta vertente, nota-se essa construção diferenciada da narrativa, sem mastigar absolutamente tudo para que o espectador entenda sua mensagem. Sua trama em si, é bastante genérica, mas é na forma que ela se dá no enredo – ou seja, como é contada ao espectador – que ganha um pouco de frescor. Todas as lacunas iniciais podem até alienar e prejudicar o envolvimento com as cenas, já que não se sabe até então se os elementos fora de lugar são propositais ou não, mas por outro lado também instigam o público a prestar mais atenção.
Algo que ajuda no engajamento é a boa entrega de David Strathairn como o suposto Todo Poderoso. Mesmo que as perguntas de Paul a ele sejam das mais fáceis e autocentradas – algo que é justificado pela mensagem ao final -, Strathairn faz com que as respostas soem bastante convincentes. Em um papel no qual muitos imaginam ser de imponência e até intimidação, o ator traz leveza e descontração, tornando seu retrato diferente dos demais. Thwaites, enquanto isso, demonstra melhora em relação aos seus trabalhos anteriores, mas continua limitado para carregar um papel de protagonista.
O grande problema é a incapacidade de cumprir com as ambições. Com uma premissa tão sedutora de direcionar perguntas a Deus – mesmo que fictício -, o roteirista Ken Aguado prefere questionamentos mais superficiais. Além disso, a escolha por um protagonista branco, cristão e norte-americano mostra-se uma limitação: como veículo para o grande público, Paul não é inquisitivo o suficiente perante seu entrevistado e só fala do que é de seu interesse. Portanto, este filme parece ser estritamente direcionado a homens como Paul, pregando apenas para convertidos. Seus problemas, embora compreensíveis, também são minúsculos se comparados ao de tanta gente.
Se a pequenez dos problemas de Paul serve, de certa forma, à mensagem de Entrevista com Deus, é ela quem sabota um componente importante do filme: o drama. Fora pelas cenas com David Strathairn, o diretor Perry Lang quer conferir um tom demasiadamente solene a tudo que Paul enfrenta, o que no fim acaba não sendo tanta coisa. Após a revelação do que de fato aflige seu casamento, vemos, como ele, que estava fazendo tempestade em copo d’água. Pena que o filme apenas reconhece isso e não se arrisca a fazer outros questionamentos pertinentes, que o público além de seu demográfico gostaria de fazer.