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Crítica | Jojo Rabbit

Presença surpreendente nesta temporada de prêmios após uma recepção divisiva em festivais, inclusive tornando-se o novo favorito para a estatueta de roteiro adaptado no Oscar, Jojo Rabbit é um trabalho mais complicado que o esperado, não só por sua sátira à ideologia nazista. Adaptado do romance Caging Skies por Taika Waititi, mais conhecido por Thor Ragnarok e O Que Fazemos nas Sombras, o tom do novo trabalho é altamente variável e arriscado – para o bem e para o mal.

Sua proposta humorística tem um propósito bastante nobre e promissor, fazendo um interessante caso sobre como a banalização pode ser invertida para expor ideias contrárias a uma ideologia difundida nessa mesma banalidade. Em Jojo Rabbit, isso se dá com as imagens e retrato do partido nazista, que é mostrado aqui sob uma luz patética para reforçar o nonsense das ideias de Hitler, aceitas pelo protagonista como a verdade, e parodiar as lendas urbanas vazias acerca do ditador e os desprezados judeus.

No entanto, toda banalização tem um limite. Como se trata de uma obra que, no processo de parodiar ideais perigosos, se utiliza de imagens nazistas e revive uma série de iconografias associadas ao Reich com humor, há o perigo constante de remover destas vistas o seu peso devido na história – ainda recente, vale apontar – da humanidade, tendo em vista também que tal ideologia ainda se encontra espalhada nos becos escuros da internet e do mundo – às vezes, até mesmo na superfície.

Evitando demais e possíveis condenações por um uso irresponsável dessas imagens, Waititi tem a justificativa dessa frontalidade toda na perspectiva que seu roteiro assume: Jojo Betzler (Roman Griffin Davis, excepcional) um menino de 11 anos que, como os colegas da juventude hitlerista, é um caso quase perdido em seu fanatismo pelo líder nazista. Não bastasse a colagem inicial de imagens ao som de I Wanna Hold Your Hand – em alemão -, fica claro que o problema aqui é o culto à personalidade, ao ponto de que Jojo tem o ditador como seu amigo imaginário.

Um das mais inteligentes decisões de Waititi está em delimitar, então, os limites dessa personalidade adorada dentro do imaginário do garoto. A imagem de Hitler como um ídolo pop a ser adorado, um homem melhor que os outros homens, se encontra engendrada na mente de Jojo, mas se mistura a trejeitos caricatos que o próprio protagonista atribui ao ser imaginário em sua pré-adolescência. O Hitler de Waititi é um personagem de desenho animado com uma camada de horror latente.

É interessante ainda como o diretor / roteirista trabalha o confronto com a juvenilidade e fanatismo de Jojo através do choque com as figuras femininas, sua mãe (Scarlett Johansson, que numa única cena já justifica sua indicação ao Oscar) e Elsa (Thomasin Mckenzie), a garota judia que se refugia em sua casa. Apesar dos insultos e insubordinações do jovem, ambas parecem possuir uma autoridade sobre ele – às vezes, mais do que o próprio Hitler. Prova de que o menino, no fundo, reconhece os absurdos de seus próprios delírios.

Porém Waititi comete seus deslizes. No encerramento, Jojo Rabbit reproduz um poema de Rainer Maria Rilke, atestando que, independente da beleza e o horror, nenhum sentimento é definitivo. Sente-se o mesmo quanto à maneira como os eventos da narrativa, variando no tom em níveis por vezes gritantes, se encaixam e se atravessam pelo decorrer do filme. Certos acontecimentos devastadores são sucedidos por outros instantes mais mundanos, com diálogos ainda engraçadinhos, o que colide com a gravidade do que veio antes.

A tentativa de contorcionismo entre humor e horror é audaciosa, e se este tipo de contradição funciona nos primeiros momentos que estabelecem o dia-a-dia de Jojo como membro da Juventude Hitlerista ou suas interações com Elsa, não é muito compreensível que o diretor continue mirando no mesmo equilíbrio a partir de determinada altura da obra, onde o horror, em tese, deveria ser o sentimento vigente por conta do impacto direto que tem em Jojo e o espectador. Há, de fato, momentos e momentos para fazer gracinhas.

(INÍCIO DOS SPOILERS)

O que realmente é incompreensível, no entanto, é o desfecho um tanto conivente de uma certa personagem nazista adulta, que no fim da obra ganha uma espécie de cena redentora. É claro, não se pode esquecer do fato de que cada ser humano é imensamente complexo, mas quando estamos falando de nazismo, uma autocracia assassina, seria mais adequado abordar a personagem com sobriedade para desconstruí-la e debatê-la do que apenas para criar uma redenção oportuna, em uma cena feita principalmente para arrancar lágrimas.

(FIM DOS SPOILERS)

Jojo Rabbit parece ao mesmo tempo reconhecer o peso histórico do que retrata e esquecer-se pontualmente da devida gravidade dos eventos e ideologias que analisa, confiando no conhecimento e discernimento de cada espectador quanto ao Holocausto Nazista. Além disso, acaba perdido entre dois públicos: o jovem que só agora tem seus primeiros contatos com este capítulo sombrio da história da humanidade, e o adulto para o qual este tipo de tema foi saturado ou até mesmo banalizado.

Os saldos devem variar de cada indivíduo, afinal qualquer discussão sobre ódio e fanatismo continua plenamente válida. É uma pena que, como sátira ou drama de guerra, Jojo Rabbit não encontre sempre a consistência da qual necessita para efetivamente provocar, perigando às vezes cair em uma abordagem branda daquilo que condena. A conclusão ainda assim é inegavelmente bela e contundente dentro do arco do protagonista, elevando o impacto final da obra com uma quebra musical poderosa que acena para o início de uma transformação.

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