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Crítica | Meu Amigo Enzo

O cinema norte-americano, recentemente, tem encontrado nas produções estreladas e narradas por caninos, em especial aquelas adaptadas dos livros de W. Bruce Cameron, alternativas sólidas nas disputadas bilheterias. Projetos como Quatro Vidas de um Cachorro e A Caminho de Casa assumem a proposta despretensiosa de externar os simples pensamentos de seus protagonistas animais através de voice-over, e seguem narrativas que, na maior parte do tempo, se adequam a uma parcela mais jovem do público. Meu Amigo Enzo, então, chega como uma alternativa diferenciada ao subgênero sem exatamente reinventar a roda, baseando-se no best-seller de Garth Stein intitulado A Arte de Correr na Chuva.

Para começar, o roteiro adaptado de Mark Bomback abraça a proposta inusitada de Stein e pede ao espectador que deixe de lado sua procura por qualquer resquício de verossimilhança diante das divagações cômica e inacreditavelmente profundas do cão Enzo. Diferentemente daqueles escritos por Cameron, este, interpretado com um ar hippie por Kevin Costner, é um golden retriever de comportamento reservado e imaginação sem amarras, muito além do que a real capacidade de um animal permite. Enzo não só entende perfeitamente o inglês dito pelos humanos, como é capaz de buscar referências – às vezes até metalinguísticas – em sua memória para tecer sua próxima alegoria emocional rebuscada.

Tendo Enzo como filtro para a narrativa humana que será contada ao longo das próximas duas horas, há, ao menos, o alívio e a certeza de que o filme dirigido por Simon Curtis se diferenciará da matilha. Pelos olhos do animal, vemos momentos emblemáticos na vida de Denny (Milo Ventimiglia), um hábil motorista de corrida que ao longo de alguns anos conhece sua esposa Eve (Amanda Seyfried), torna-se pai de Zoe (Ryan Kiera Armstrong) e sobe ao status de estrela internacional do esporte, conquista que traz a ele grandes conflitos de agenda, devendo decidir entre a vida em família e a profissão. Denny escolhe a última opção, e a distância o impede de atentar-se à doença que lentamente acomete sua esposa.

O filme que se espera de Meu Amigo Enzo é basicamente o mesmo de tantos outros longas sacarinos e de certa forma desesperados na forma com que manipulam o espectador a chorar. São, geralmente, obras reféns do melodrama, de grandes tragédias que abalam um cenário ideal. Porém é aqui que a obra de Simon Curtis surpreende positivamente: há tragédia e quiçá até um punhado de cenas melodramáticas, mas o olhar maduro e aprofundado de Enzo mantém o longa majoritariamente em um equilíbrio tonal, assentando-se mais numa melancolia sábia. O título original, A Arte de Correr na Chuva, é nada mais que a alegoria que Enzo resgata ao longo da obra para descrever a persistência e clareza de visão de seu dono diante das regalias e infortúnios que a vida lhe reserva sem aviso.

As próprias interações da família com o cão, inclusive, trazem frescor já que o animal não é tratado como um componente principal ou quase humano de seu núcleo. Tire o voice-over de Costner e terá apenas um canino tratado por seus humanos com naturalidade cotidiana, que está lá para os melhores e os piores momentos por uma determinada janela de tempo. Mesmo que o longa arrisque materializar a imaginação de Enzo em imagens, com direito a fades cafonas e uma alucinação canina, e sugira no seu desenrolar um elemento espiritual na crença do cão de que reencarnará como humano após sua morte, sua essência é repleta de lucidez. A consciência exagerada do cão fica mais como um cenário de “e se?”, acrescentando uma camada agridoce aos acontecimentos retratados.

É uma pena, contudo, que esta perspectiva canina seja melhor trabalhada no papel, no roteiro de Bomback, do que pelos aspectos imagéticos do projeto. O fraco agenciamento de Curtis sobre as imagens na montagem de Adam Recht, principalmente, dilui o senso de perspectiva que o longa poderia ter de sobra sob um comando mais confiante. Ao invés de reservar-se aos ângulos específicos ao ponto de vista de Enzo, Curtis e Recht passam longe de uma economia eficiente e optam por utilizar tudo que têm a seu dispor, geralmente entregando cenas compostas por muitos planos, todos curtos e que sem respiros criam uma espacialidade confusa e, portanto, artificial. No fim, é o ritmo que sai mais prejudicado por estas decisões, em um claro impasse com a estrutura narrativa do longa.

Esta estrutura também não deixa de soar desigual ao alternar entre drama familiar de batalha contra enfermidades para um drama de tribunal em seu último ato, e apesar de criar boa fricção dramática entre as personagens, este trecho jurídico fica como um excesso artificial – talvez a mudança seja mais natural na obra de Stein. Mas, apesar das artificialidades, Meu Amigo Enzo tem sucesso ao ser manipulativo em sua sinceridade, e sincero em sua manipulação. O elenco encabeçado por Ventimiglia e Seyfried defende o drama com êxito sem recorrer a exageros, e as emoções almejadas pelo texto e a direção nunca nos são tomadas de assalto. Assim como o cão em seu centro, o filme possui sua abordagem sem nunca forçá-la aos outros, e consegue ser adorável por isso.

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