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Crítica | Não Olhe

A primeira e a última imagens de Não Olhe são impactantes. Uma apresenta um acontecimento terrível através de um leitor de ultrassom, e outra, que usa um espelho de teto, é capaz de sintetizar a história deste filme por si só. São dois fortes momentos que mostram o potencial dramático e estético de sua ideia central. Ainda assim, a obra prova de que um bom argumento não vale de nada quando se tem um diretor de pouca personalidade no comando e um roteiro cujo miolo não se sustenta, apostando em clichês e muletas de gênero que sabotam o que nele há de mais intrigante.

A trama acompanha Maria (India Eisley), uma garota com problemas de autoestima e deslocada dos outros jovens, inclusive de sua melhor amiga (Penelope Mitchell). A relação com os pais também é fria, incômoda, especialmente com o pai cirurgião (Jason Isaacs) que lhe impõe padrões estéticos inalcançáveis. A protagonista contém suas frustrações até que, um certo dia, ela se depara com uma situação extraordinária: seu reflexo no espelho começa a agir por conta própria, apresentando-se pelo nome de Airam e pedindo para que deixe-a sair do vidro para tomar conta de seus problemas do outro lado.

Pela imagem inicial, torna-se óbvio do que o mistério da existência de Airam se trata e qual direção o filme seguirá a partir de seu incidente incitante. No primeiro ato, tudo que concerne às relações das personagens e as tensões entre elas é telegrafado a cada momento, ao ponto de não deixar qualquer naturalidade fluir nas interações das personagens, e como as conhecemos tão pouco, o engajamento com qualquer uma delas é dificultado, inclusive Maria. Isso fere principalmente o subtexto existencial, que terá sido essencial para a conclusão.

Não Olhe segue inicialmente a cartilha mais conhecida por Carrie – A Estranha, de Brian DePalma, ao procurar tratar da história de uma adolescente psicologicamente perturbada e maltratada por um de seus entes – ali, a mãe religiosa; aqui, o pai calculista. O aspecto sobrenatural, novamente, serve tanto de escape quanto uma maldição, levando todo o mundo da protagonista igualmente às ruínas. Neste caso, o lado melancólico disso ganha alguma densidade conforme o longa avança, mas perde muito espaço para atender as tendências de horror genéricas.

Por outro lado, o diretor israelense Assaf Bernstein mostra suas pretensões de ser virtuoso, mas é incapaz de incorporar estilização ao drama ou o terror com muita eficiência. Não bastam as semelhanças narrativas com o recente O Amante Duplo, de François Ozon, mas sua condução também procura a mesma estética clínica e precisa, apoiando-se na fotografia fria de Pedro Luque (de Millenium: A Garota na Teia de Aranha). Bernstein, no entanto, raramente usa seus truques bem, empregando zooms em lugares aleatórios e uma trilha de suspense fora de hora.

Quanto a seu trabalho com a sexualidade florescente da protagonista, a relação desta questão carnal com sua psique deixa a desejar pela falta de qualquer sensibilidade, entregando-se como a visão de um homem sobre uma realidade que não conhece, pelo menos não ao ponto de fazer tal abordagem psicanalítica funcionar. Deste jeito, os momentos de nudez soam gratuitos, dizendo quase nada sobre essa ligação entre sexo e as duas personalidades que compartilham o mesmo corpo.

O longa peca ainda na caracterização de personagens e lugares. No campo das personagens, a amiga ciumenta, o namorado da mesma, o bully que inferniza Maria e até mesmo a mãe (Mira Sorvino, desperdiçada), que é uma peça chave do roteiro – ao menos, a resolução acredita nisso – não podem nem ser considerados arquétipos, de tão esvaziados de qualquer características que os tipifiquem. Apenas fazem o que cada cena pede, ou seja, muito pouco, e além disso possuem diálogos que não soam naturais – fariam sentido apenas se tudo se tratasse de uma simulação.

Quanto às locações, se por outro lado a estética fria, asséptica transmite um estado de distanciamento emocional, a direção de arte é pobre em praticamente todos os sentidos. Todo cômodo parece um consultório vazio, todo corredor parece ser a extensão de um hospital, e há poucos planos que usem esses espaços de forma realmente atmosférica – mesmo quando Bernstein aposta em um posicionamento de câmera requintado, como da escada espiral perto do início, não quer dizer nada com ele. A imagem final é a única exceção.

Dito isso, algumas poucas situações aproveitam a tensão que – deveria – correr debaixo da superfície. Um confronto em um rinque de patinação, que gradualmente passa de um tom amigável ao ameaçador, usa nossas expectativas de violência para terminar de forma inesperada. O uso de reflexos aqui e ali também traz uma dinâmica interessante, à personagem que passa a testemunhar sua versão dupla agir de forma extrema. O final melancólico, inclusive, dá um aspecto de fábula de cautela que sugere ideias ricas sobre uma protagonista que nunca escapa de si mesma.

Contudo, a interpretação de India Eisley nem sempre faz jus a esta dualidade conturbada, talvez mais por falta de orientação do que de talentos. O papel parece exigir demais dela em certos pontos, e já que o texto é escrito de forma robótica, é difícil torná-lo convincente, especialmente quando Eisley encarna Airam. O mundo da personagem é sempre distante, pouco empático, e seus objetivos e rancores são, na maior parte, simplistas, mas no fim o filme quer elicitar sentimentos mais intensos e falha por não fornecer uma base sólida para que isso ocorra.

Na falta de uma execução que sustente suas ideias mais ambiciosas, o filme de Bernstein assenta-se como terror genérico pela maior parte de sua duração. Porém Não Olhe, no caso, pode muito bem fazer parte de uma safra interminável de longas de gênero que não parecem confortáveis em oferecer o que deviam. Mesmo em suas facetas genéricas, havia potencial para brincar com seus elementos mais fantásticos e perversos com alguma verve, mas não há energia. Entre um bom começo e um bom fim, o longa de Bernstein nos deixa impacientes no frio.

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