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Crítica | No Portal da Eternidade

É sempre muito curioso assistir filmes biográficos, pois os mesmos, ainda mais quando o(a) biografado(a) não se encontra mais entre nós, raramente costumam se ater de maneira fiel e totalmente verdadeira aos fatos como aconteceram. Ao menos, pode-se afirmar que muitas das melhores obras biográficas para o cinema não se restringiram à verdadeira fonte, e usaram da própria imaginação para desenvolver estas figuras emblemáticas em personagens de corpo cheio, como por exemplo: O Lobo de Wall Street de Martin Scorsese, ou A Rede Social de David Fincher. Na maior parte, isto costuma se mostrar como uma prova de maturidade emocional e lógica, assim que, em quaisquer formas narrativas, a verdade nem sempre é o bastante.

Desta maneira, No Portal da Eternidade, a obra mais recente do cineasta, e também pintor Julian Schnabel nos narra sua visão do que foram os últimos dias de vida do artista holandês pós-impressionista Vincent van Gogh. Em retiro no sul da França, nas cidades de Arles e Auvers-sur-Oise, o pintor lidou com seus ataques de ansiedade, depressão e medo do abandono enquanto criava constantemente obras que ajudariam marcar o seu nome como um dos artistas mais transformadores no campo da arte.

Devido a atual temporada de premiações, que agraciou o sensível ator Willem Dafoe com algumas indicações a prêmios importantes da indústria, muito do foco de No Portal da Eternidade tem recaído no colo do ator americano, em uma performance ainda mais lacerante que no recente e belo Projeto Flórida, pelo qual também teve uma indicação no Oscar passado. Todavia, apesar de algumas repetições no roteiro, muito ainda se deve á sensibilidade de Julian Schnabel que foi capaz de exprimir uma ótica clara do pintor van Gogh, e ainda o fez com inventividade e delicadeza.

Com a câmera, Schnabel “abusa” dos close-ups, praticamente com todo o seu elenco, o que já mostra boa percepção do autor em cima do texto para o filme, de modo que o Vincent van Gogh de Schnabel é a versão mais sofredora e desolada na solidão do grande pintor. Assim, uma lente próxima dos rostos de seus atores dão a impressão de uma pressão emocional maior, o que harmoniza perfeitamente com um van Gogh em boa parte, severamente ansioso. E, também é de maior sutileza quando o autor transforma essa lente no próprio pintor, e podemos ver o mundo por seus olhos em todos os tons amarelados pelos campos do sul da França.

O único quesito que o autor de cinema abusa, no pior sentido da palavra, é quando deixa sua câmera trêmula demais, deixando o espectador ao mesmo tempo que desnorteado, incapaz de acompanhar com alvura o processo emocional e mental de van Gogh enquanto criava obras que durante sua breve vida foram esnobadas, mas que nos dias atuais, possuem valores inestimáveis.

Pelo fio narrativo, No Portal da Eternidade de ritmo vagaroso acerta ao exaltar um tom mais contemplativo, mesmo se estendendo um pouco a mais em alguns momentos, pois outro detalhe que o enredo pontua é a relação do pintor holandês com a natureza, retratada em muitos de seus quadros mais conhecidos como Doze Girassóis numa Jarra e Campo de Trigo com Corvos.

Esses predicados só podem ser denotados devido à uma visão clara de Julian Schnabel que soube se apoiar no talento visceral de seu astro. Willem Dafoe em uma atuação cirúrgica, que pinça os nervos certos todos os momentos, sem ficar acima ou abaixo do tom, contribui muito para estabelecer uma relação mais vibrante entre público e material. A cena da interlocução entre o pintor e um padre, interpretado pelo também superlativo Mads Mikkelsen, consegue em uma cena o que Vice, cinebiografia sobre Dick Cheney de Adam McKay não foi capaz em mais de duas horas: entregar o composto da personalidade da figura biografada.

Desta forma, ao nos aproximarmos do final da história de vida de Vincent van Gogh fica a sensação de que existe uma confinidade entre o artista e a humanidade vulnerável em cada um de nós. Toda a vibração e aflição de van Gogh pode ser sentida pelas lentes de Julian Schnabel, e ao fazer isso, o cineasta estabelece a sua versão do famoso pintor que cortou a própria orelha esquerda e que tinha dificuldade em perceber o seu mundo silenciado ou abandonado, e que a partir desta frustração enorme, pintou sem parar, como ninguém o fez, até hoje.

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