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Crítica | O Gênio e o Louco

À altura de seu lançamento mundial, O Gênio e o Louco é o tipo de filme que se torna visível não por mérito próprio, mas pelos acontecimentos que rondam sua produção. Filmado em 2016, o longa enfrentou três árduos anos de problemas logísticos, perdas de direito autoral e a objeção do ator Mel Gibson e seu diretor Farhad Safinia ao lançamento de sua obra, que segundo eles estava incompleta. Ocasiões como essa resultam, não raro, em fracassos retumbantes. Este filme, porém, é uma estranha exceção: longe de ser um grande produto, é ainda um que tem êxito em trazer uma história fascinante às telas com sensibilidade e até uma eloquência para tratar de suas ideias e personagens mais profundas.

Baseada no livro de Simon Winchester, a história pode ser descrita, em linhas genéricas, como sendo “sobre a criação do Dicionário Oxford”. Mas assim como A Rede Social, também adaptado de uma obra literária especulativa, era percebido como o “filme do Facebook” – não estou comparando os dois em qualidade, que fique claro -, são histórias que abordam a humanidade por trás desses feitos, com suas falhas e imperfeições todas. O longa de Safinia tem seu começo quando William Chester Minor (Sean Penn), um ex-militar norte-americano, assassina um homem a sangue frio na periferia de Londres por conta de alucinações paranoicas. Ele é julgado como criminalmente insano e confinado a um hospício.

“O que isso tem a ver com o dicionário?”, alguém desavisado deve se perguntar. Para esclarecer isso, outra história muito distinta é contextualizada em paralelo pelo roteiro de Safinia e Todd Komarnicki. O professor John Murray (Mel Gibson), um autodidata especializado em uma quantidade invejável de línguas contemporâneas e antigas, consegue o aval da Universidade de Oxford para efetuar uma vasta e complicada pesquisa através do solo britânico com o fim de, agora sim, compilar os significados, origens e sinônimos de cada palavra do idioma inglês. Para acelerar esse processo, propõe o contato com voluntários do país todo para que façam um inventário de tais palavras. O maior colaborador de Murray, então, revela-se ser Minor, e os dois iniciam uma amizade.

Há, a princípio, um incômodo problema de estrutura narrativa nestes primeiros atos, nos quais as histórias de Minor e Murray correm em paralelo com poucos – ou quase nenhum – pontos de intersecção. Não há, por exemplo, uma relação de causa e efeito entre as vidas dos dois homens até que, de forma bem pouco inspirada, Murray aprenda sobre a contribuição de Minor com seu trabalho. Por conta disso, um dos pontos chave do drama, a amizade dos dois homens, não é capaz de evitar um desenvolvimento apressado, apoiando-se em poucas e preciosas cenas nas quais estão cara a cara. A relação é insuficientemente sedimentada para que os eventos do ato final, que põem o vínculo dos dois homens à prova, sejam de fato impactantes.

Porém o desempenho estelar dos dois atores centrais encontra, quase que milagrosamente, uma maneira de deixar esta emoção almejada muito mais palpável. As composições individuais de Gibson e Penn são detalhadas em suas próprias maneiras. O primeiro, que encarna um personagem visto pelo roteiro como alguém a se torcer e louvar, mostra novamente uma habilidade em manter equilíbrio entre um jeito rústico, quase grosseiro – um aspecto geralmente atribuído à figura do homem escocês -, e uma erudição sensível. Penn, por sua vez, continua com suas caras e bocas, experimentando um registro exagerado, mas é também capaz de matizar um personagem que poderia cair na simples caricatura. Vemos um retrato crível de um homem em conflito consigo mesmo.

O elenco de apoio, com nomes sólidos do cinema britânico como Steve Coogan e Eddie Marsan, também agrega a essa visão menos maniqueísta. Inclusive, as diversas personagens reforçam, nas relações interpessoais que se formam entre elas, uma perspectiva muito bondosa, otimista mas não ingênua, sobre um mundo em descoberta. Apesar de pinceladas fortes como assassinato ao abusivo sistema manicomial da época, o longa evita em grande parte uma disposição genérica de bem contra mal, sabedoria contra truculência. Ao invés de dedicar seu tempo a retratar as injustiças, o foco aqui são os lampejos de esperança e bondade que surgem, por vezes, até dos indivíduos mais surrados.

As intenções admiráveis de O Gênio e o Louco acabam sendo o bastante para suprir algumas das maiores carências da obra, como uma estrutura coesa de cena para cena e uma falta de inspiração nas composições cênicas – embora a fotografia e o design de produção sejam redondos. Há também pouco insight colocado sobre a metodologia usada para a montagem do dicionário, o que deve decepcionar quem espera uma documentação detalhada desses fatos. Porém, apesar dos problemas de estrutura e dessas carências, a obra alcança com sucesso uma coerência por via das emoções humanas, sem definir suas matizadas personagens de forma unidimensional, mas tornando-as sinônimas com base em uma única palavra-chave: amor.

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