Os Órfãos, nova adaptação da obra literária A Volta do Parafuso aos cinemas, cheira a espírito adolescente, bem como diria Kurt Cobain, cuja morte é mencionada de forma gratuita ao início do filme de Floria Sigismondi. Não escrevo isso por conta dos toques estilizados da cineasta na direção de arte noventista, nos figurinos meio grunge e nas faixas incluídas na trilha sonora, mas por motivos menos favoráveis.
Em méritos de execução narrativa, Os Órfãos remete a um tipo de trabalho que não é estranho a quem cursou alguma escola de arte, principalmente de audiovisual. É comum, na empolgação da juventude, que se faça um curta-metragem sem certeza do rumo que este tomará e, no final, tentar amarrá-lo da forma mais aleatória por conta de imprevistos como falta de material bruto e pretensões desmedidas. Só que este é um projeto de estúdio.
A ambientação nos anos 90, para começo de conversa, nada acrescenta à trama inspirada no romance de Henry James, soando como mera desculpa para reciclar adereços e se aproximar da sonoridade grunge que Sigismondi está mais familiarizada. Nada disso é aplicado aos temas, e nem oferece um contexto palpável para que haja algum sentimento de alienação social e cultural na mansão isolada em que Kate (Mackenzie Davis) começa a trabalhar como babá.
Encarregada de cuidar da pequena Flora (Brooklynn Prince), Kate passa a perceber no local algumas presenças estranhas, seja em reflexos nas janelas ou nos cantos escuros de quartos. Logo ela conhece o irmão de Flora, Miles (Finn Wolfhard), cuja volta desavisada para casa levanta suspeitas e leva a jovem Kate a descer por um espiral de novas descobertas macabras. Pelo menos é isso que os roteiristas Chad e Carey Hayes querem transmitir.
Embora não seja de forma alguma inassistível, Os Órfãos não se encontra quanto ao ritmo que quer para essa lenta ebulição da personagem principal, arrastando-se no desenvolvimento. Além disso, não há sinais muito perceptíveis para a perda de chão da protagonista até muito tarde no longa, tornando a descida à loucura bastante repentina para ser levada a sério. Até que este ponto se encaminhe, boa parte do filme carece de uma perturbação.
Isto não apaga necessariamente os méritos da direção de arte e fotografia, que garantem à mansão uma atmosfera suficientemente sinistra sem abrir mão de um naturalismo nas imagens, aproximando-se mais de obras discretas como Os Outros e O Despertar do que a estética kitsch de Invocação do Mal, filme também roteirizado pelos Hayes. Porém não há uma construção sonora eficaz que complete esta atmosfera.
Sem apostar demais em barulhos altos mas deixando de criar um espaço sonoro macabro, o andamento lento da história não sustenta o interesse, já que os Hayes são melhores em uma criação de cenários de horror explícito do que nesta vertente mais gótica e existencialista de terror. Diálogos são polidos demais para que surja algum incômodo nas interações entre Kate e as supostas crianças sinistras – são fofas, apenas -, e qualquer ameaça demora a surgir.
Sente-se que estamos vendo uma versão abaixo da média de uma história conhecida, que já inspirou tantas boas obras direta e indiretamente. Mesmo os fantasmas, que bebe de uma estética de videoclipe – a breguice de suas aparições me parece uma tentativa de imitar o kitsch de Ken Russell -, não ficam na memória por muito tempo, tendo um antagonista que pouco assusta além da crueldade que lhe é atribuída através de diálogos e voice-overs expositivos.
Contudo, Os Órfãos não para por aí. Sigismondi não se contenta apenas em entregar uma versão medíocre de uma amada obra. O desfecho escolhido pela diretora, que só pode ter surgido de um improviso final na montagem por falta de material, está entre os piores já vistos em um filme de terror produzido por um grande estúdio. Como se o próprio filme praticasse gaslighting com sua protagonista, é um final que nega qualquer construção anterior e lógica interna.
Pior que isso? Entregar este final e tentar fazer o público acreditar que se trata de uma decisão plenamente justificada, movida por um compromisso com a arte, inclusive transformando a sequência de créditos finais em um videoclipe experimental extenso. Novamente, algo que seria abraçado e perdoado no fim de semestre de uma escola de audiovisual, mas que não tem qualquer sustentação em um lançamento nos cinemas.