No ano passado vimos que a plataforma da Netflix lançou uma série de filmes chamada Rua do Medo, dividida em três partes, cada uma correspondendo a um específico ano. Primeiro, disponibilizaram Rua do Medo: 1994 – Parte 1, que logo na abertura mostrava uma jovem garota sendo perseguida pelos corredores de um shopping, sendo esfaqueada até a morte por um mascarado misterioso.
Um tanto familiar, não?!
Óbvio que eles tentaram recriar a icônica cena de abertura do longa-metragem original Pânico, lançado nos cinemas em 1996 pelas mãos do renomado cineasta Wes Craven (1939 – 2015), onde testemunhamos uma jovem Drew Barrymore tentando escapar da faca do serial killer Ghostface, porém, ela falha e termina pendurada em uma árvore toda coberta de sangue.
Todavia, lamentavelmente ainda vemos um número pequeno de pessoas que souberam valorizar o magnífico trabalho de Craven no filme sobre uma estudante do ensino médio na cidade fictícia de Woodsboro, Califórnia, que se tornou alvo de um misterioso assassino em uma fantasia horripilante.
A obra irretocável de Wes Craven combina comédia sombria e mistério do tipo “whodunit” (“Quem matou?”) com a violência do gênero slasher na intenção de satirizar os clichês do próprio gênero popularizado em filmes como Halloween – A Noite do Terror (1978), Sexta-feira 13 (1980) e A Hora do Pesadelo (1984), do próprio Craven.
Pânico foi considerado único na época de seu lançamento por apresentar personagens cientes de filmes de terror no mundo real e discutia abertamente os clichês que o enredo mirava subverter. O filme foi creditado como aquele que revitalizou o gênero slasher na década de 1990, considerado quase morto após um influxo de títulos e inúmeras sequências de franquias de terror estabelecidas das décadas de 1970 e 1980, que tiveram um sucesso financeiro e crítico decrescente, pois exploravam clichês dos quais tais produções se tornaram dependentes.
Isso sem contar que Wes Craven “previu” algumas das maiores ansiedades e angústias da chamada geração Y (millennials), que apresentava uma natural falta de identidade com a proximidade da virada do século, pois pegaram só o finalzinho do século XX e estavam prestes a adentrar uma nova era que desconheciam completamente.
O trabalho de Craven em Pânico continua relevante no tempo presente, principalmente porque temos mais uma entrada na franquia, a primeira não dirigida por ele. O quinto longa-metragem se passa vinte e cinco anos após uma série de assassinatos brutais chocar a pacata cidade de Woodsboro, Califórnia. Agora, temos um novo assassino vestindo a máscara de Ghostface, que atacou um grupo de adolescentes na intenção de ressuscitar segredos do passado mortal da cidade.
Sobre rir de si mesmo
Fazem algumas poucas semanas que elogiamos o audacioso primeiro ato de Matrix Resurrections que visualizava um exercício de metalinguagem muito bem-vindo à franquia criada pelas irmãs Wachowski, porém, já sabemos que tal proposta não passou do primeiro ponto de virada como poderia.
Diferente do novo Pânico, dirigido pelo duo Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, responsáveis pelo terror cômico Casamento Sangrento (2019), que pisa fundo no acelerador na proposta metalinguística, sempre disposto a rir de si próprio, enquanto conscientemente “repete” muitos recursos que são parte essencial da marca.
Para quem é fã da série de filmes: podem ficar tranquilos que teremos o suficiente de matança para entreter aqueles mais ávidos pelo terror do tipo ‘gore’, mas saibam de antemão que o carro-chefe aqui, não é aquilo que te assusta ou deixa tenso, já que o maior trunfo da mais recente versão de Pânico é o humor, que inunda a narrativa desde o primeiro ataque do maníaco Ghostface.
Nos primeiros minutos já podíamos perceber o rumo escolhido pelo roteiro escrito por James Vanderbilt e Guy Busick, que ironizava aqueles que consideravam obras no estilo de O Babadook (2014), A Bruxa (2015), Corra! (2017) e Hereditário (2018), como uma forma de terror elevado (?), previamente denominados como parte do movimento pós-terror (?), conceito e expressão que felizmente já caíram no esquecimento.
Sobre rir do fanatismo
É bem comum toda vez que observamos uma pessoa que é fã de algo ou alguém, sentirmos certa admiração por aquela devoção de carinho, uma vez que se existe uma conexão emocional com aquele objeto ou ideia, nada mais natural do que nos abastecermos daquele sentimento de completude que tantos buscamos em nossos dias restantes nesse plano passageiro.
Só que também temos o outro lado da moeda! Já que alguns levam tal devoção à sério demais!
É nessa parcela dos fanáticos que o novo Pânico jogou a lupa em cima, fazendo algo similar à Noah Baumbach em Enquanto Somos Jovens (2014), que ousou ao mostrar o lado negro da força da tribo ‘hipster’, superficialmente famosa pelo bom-mocismo.
Cooperou muito para o argumento intencionado, algumas das performances do elenco atual, que incluem os destaques: Jenna Ortega, Jack Quaid (filho dos atores Dennis Quaid e Meg Ryan) e Jasmin Savoy Brown.
Mas, quem dá um show (novamente) é Mikey Madison!
A atriz de apenas 22 anos de idade que dominou, ao lado de Brad Pitt, nos momentos finais do irregular Era Uma Vez em Hollywood enquanto gritava intensamente de dor sendo mastigada por um cão da raça pit bull, trouxe mais uma vez um trabalho deliciosamente exagerado, trazendo a cereja do bolo para a linha narrativa satírica do recente Pânico.
Conclusão
O atual Pânico de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, que ainda fez questão de homenagear alguns clássicos do gênero, como Psicose (1960) de Alfred Hitchcock e Christine – O Carro Assassino (1983) de John Carpenter, não se encontra à altura do original feito por Wes Craven, ou mesmo o anterior Pânico 4 (2011), que também transgrediu prenunciando os efeitos das mídias sociais na juventude atual e os extremos que eles vão para alcançar a fama tão desejada na internet.
Ainda assim, podemos dizer de peito estufado e abdômen dolorido que não ríamos tanto desde a primeira entrada em 1996, agora, um pouco mais temerosos ao esbarrar em alguns fãs.
Moral da história: tranque as portas, Kevin Feige!