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Crítica | Suprema

Apesar de seu título nacional, Suprema não fala tanto sobre como Ruth Bader Ginsburg tornou-se uma das primeiras mulheres a ingressar a Suprema Corte dos Estados Unidos, mas sim o que a levou a executar seu ofício como advogada dedicada à defesa de outras mulheres. Procurando trazer luz às injustas distinções de gênero previstas pela lei norte-americana, RBG procurou convencer a Justiça a alterar as normas mostrando os efeitos negativos que elas teriam não só nas mulheres, como nos homens.

O filme de Mimi Leder, de certo modo, também inclui os homens na discussão para tratar das agruras femininas. Há uma presença expressiva de personagens masculinas, cujas participações influenciam diretamente na vitória de RBG ao fim do longa. Tal estratégia pode ser vista como um jogo seguro da produção, querendo torná-la palatável para o público mais amplo possível. Ainda assim, Suprema faz o que deseja: contar a história de Ginsburg e homenageá-la.

De início, o roteiro de Daniel Stiepleman foca na importância do casamento de Ruth (Felicity Jones) com Martin Ginsburg (Armie Hammer), que assim como ela estudava Direito em Harvard, mas foi acometido por um câncer testicular. No período em que fica adoecido, ainda nos anos 50, Ruth comparece às aulas antes frequentadas pelo marido em adição às suas próprias, e essa é tida como uma das razões, pelo filme, para o tamanho entendimento da protagonista sobre a lei.

No entanto, se Ruth inicialmente pesca maiores peixes por conta do marido, Suprema avança para as décadas seguintes e, em meio às lutas sociais que explodiam ao redor do país e do mundo, retrata um despertar de sua protagonista quanto aos avanços importantes que poderia trazer às mulheres através de seu ofício com a lei. Isso é nutrido principalmente pela figura da filha Jane (Cailee Spaeny), que representa o contato de Ruth com uma geração mais politizada de mulheres.

Embora o longa nunca coloque o dedo a fundo em qualquer ferida, é a partir da relação entre Ruth e Jane que Suprema expressa a necessidade do debate político, aqui mais especificamente a discussão de gênero, para que as mudanças sejam possíveis. O filme de Leder também advoga pelo direito de mudar, usando dos argumentos lúcidos da protagonista para mostrar que, no longo prazo, uma “mudança social radical” é inevitável e pode muito bem ser saudável a todos.

Apesar da mensagem inspiradora e pertinente, Suprema faz pouco para oferecer um constraste forte com a atualidade, o que teria fortalecido o impacto de sua ode a RBG. Enquanto a recriação visual do período é boa, não há uma atmosfera forte de época em diversos aspectos de encenação. Muitas personagens, femininas e masculinas, parecem anacrônicas e esclarecidas desde o que pisam em cena, como as alunas de Ruth, que se expressam exatamente como millennials de hoje em dia.

Além disso, há uma insistência do roteiro em atestar o óbvio. Como se as personagens reconhecessem imediatamente o impacto que suas ações terão no futuro, as mesmas dizem em alto e bom som o que suas atitudes representam com um didatismo constrangedor. A cena na qual Jane retruca cantadas de pedreiros – literalmente pedreiros – ao lado de sua mãe já deixa clara a atitude empoderada da menina por si só, mas vai por água abaixo quando Ruth explica a importância de sua insubordinação aos homens em voz alta, passo a passo.

Já a condução de Mimi Leder não sucumbe à mesma afetação do texto, mantendo-se sempre contida – mas também nunca memorável. A cineasta, ao menos, não aposta em maneirismos como, por exemplo, os de Reginald Hudlin em Marshall: Igualdade e Justiça, onde movia a câmera a todo momento nas cenas de tribunal para esconder diversas limitações dramatúrgicas. De experiência no cinema e na TV – onde fez trabalhos belíssimos, mais especificamente na série The Leftovers -, Leder entrega um produto convencional mas em paz com suas limitações.

Na batalha final de tribunal, onde Ruth defende seu ponto sobre as distinções de gênero diante da Suprema Corte, há apenas um travelling que se perceba. Todo o resto da cena é composto de closes nos rostos de personagens e planos detalhe em relógios e objetos que indiquem o tempo e o espaço daquele confronto. O foco da cena é a mulher e sua palavra contra a palavra daqueles homens, e Leder acerta por não eclipsar esse simples embate, mais preocupada em posicionar as peças e deixá-las agir do que movê-las no tabuleiro gratuitamente.

No papel chave, Felicity Jones já é capaz de acrescentar intensidade a Ginsburg apenas por seu olhar tipicamente penetrante, tornando a determinação e confiança daquela mulher completamente críveis diante da condescendência masculina e situações nada lisonjeiras. Mas a atriz não a interpreta como uma figura totalmente consolidada, também deixando visível suas dúvidas e inseguranças em momentos pontuais, como o tapa acidental em um microfone diante da corte. Jones talvez tenha mais camadas do que o material está disposto a explorar.

Com limitações mas também qualidades inegáveis, Suprema acaba sendo mais um caso do filme que passa sua mensagem adiante, porém não faz muito com ela em questão de cinema. Aliás, por tratar de questões que, hoje em dia, são discutidas com mais naturalidade, é de se estranhar que o longa não procure aprofundar a discussão para além do que já foi apontado. O intuito parece ser mais o de produzir um material objetivo sobre RBG para constar em futuros catálogos do que de fato uma obra contundente de seu tempo, e o resultado é apenas aceitável dentro dos moldes da típica cinebiografia.

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