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Crítica | Todos Já Sabem

Filmes de suspense geralmente tem seu sucesso medido pelas respostas aos mistérios que estabelecem do que pelo efeito apreensivo que sustentam em seu desenrolar. Certas vezes, no entanto, o desenrolar de um longa pode ser tão instigante que, no fim das contas, não só é impossível fornecer uma resposta à altura do desenvolvimento como essa resposta passa a não importar tanto assim. É o caso de Todos Já Sabem, primeiro filme do diretor e roteirista iraniano Asghar Farhadi falado na língua espanhola, com produção de Pedro Almodóvar e um enorme elenco encabeçado por Penélope Cruz, Javier Bardem e Ricardo Darín.

Em uma chave de thriller mais intensa que de seus longas anteriores, que ainda possuíam elementos de mistério em meio a um drama naturalista e cheio de camadas, Farhadi cria aqui um “whodunit” à sua maneira e dá início a Todos Já Sabem de forma notável. A introdução, que apresenta mais de uma dezena de personagens que se reúnem em uma cidadezinha para comemorar o casamento de um familiar, trata a todos como pessoas de interesse em um mistério que se revelará apenas posteriormente. A montagem recorre frequentemente a ângulos que representam o ponto de vista das personagens, incluindo até mesmo um drone, criando um efeito desorientador.

Essa desorientação inicial é o que potencializa Todos Já Sabem como thriller, assim que um dos membros do elenco desaparece em meio a um apagão que ocorre durante a lotada festa de casamento. Inicia-se um intimidador jogo de adivinhação, já que a dedicação de Farhadi nos primeiros minutos torna cada uma dos muitas personagens em suspeitos. Ainda assim, o diretor segura as rédeas de seu filme, mesmo quando este entra no território de um thriller, mantendo um ritmo paciente e até meditativo em partes. Apesar do macabro mistério ao centro, o cineasta continua mais preocupado em construir sua narrativa com paciência e um olhar talentoso para criar personagens profundos, que continuam em transformação e possuem passados complexos.

A instigante frase que dá nome ao filme é dita duas vezes em seu decorrer, e não se trata em nenhum dos dois momentos do culpado pelo desaparecimento. Já que a graça de ver uma obra de Asghar Farhadi está em assisti-la sem muito conhecimento prévio, nem mesmo de suas aspirações em certos casos – A Separação, em especial -, tentarei manter os detalhes de sua trama em um nível mínimo aqui. Dito isso, a impressão é que Todos Já Sabem poderia facilmente render uma outra versão derivada, focada nas relações daquelas pessoas vinte anos antes, por conta da vivacidade e da riqueza com que Farhadi trabalha lugar e memória. Em comparação com uma metrópole, a população da pequena vila é ínfima, mas aqui parece existir todo um universo dentro dela.

Dentro do elenco, já era esperado que algumas personagens em especial viessem a tomar o centro da narrativa. A relação afetiva de duas delas é integral a tudo que ocorre, incluindo o mistério, mais até do que inicialmente se acredita. Neste caso, a empatia para com elas atinge um outro nível, que torna a aflitiva busca pelo ente desaparecido infinitamente mais dolorosa. Para intensificar a situação, algumas grandes revelações vem à tona em meio à essa busca para abalar suas vidas rotineiras e fazê-las reconsiderar um passado inocente que agora cobra juros. Os que melhor encarnam estas transformações são Bardem e Cruz, cujos papéis continuam a crescer muito depois dos créditos finais e cujas interpretações fazem justiça à complexidade que Farhadi busca em seus protagonistas.

É interessante notar que, no momento em que as revelações chegam, Farhadi importa-se mais com o impacto que elas surtem em suas personagens, que encontram respostas subjetivas, do que em seu público. Ainda assim, o ritmo não acelera, deixando espaço para os momentos de reflexão. Já quando o longa chega em sua resolução, ainda que de forma pouco inspirada, não joga as cartas óbvias de um final extremamente catártico ou elevado. O registro continua o mesmo, gradualmente voltando ao mundano, como se começasse e acabasse na vida real – tornando a natureza de um desaparecimento ainda mais presente e assustadora. Os diálogos sempre verborrágicos e uma ausência quase total de uma trilha não-diegética acrescentam densidade a essa atmosfera sufocante, fazendo sentir o desgaste das personagens ao longo de suas mais de duas horas.

Por tantas razões, Todos Já Sabem difere-se de outros thrillers de temática similar que, num crescendo de tensão, explodem ao final na cara de seu público, apostando ora numa conclusão artificialmente positiva e amarrada – Buscando… – ou um encerramento cruel que pune os protagonistas por suas atitudes desesperadas – Os Suspeitos. Farhadi, por outro lado, é capaz de pegar uma situação extraordinária e apresentá-la como uma “fatia da vida”, criando histórias que vão muito além dos enredos apresentados em tela. Sem pesar a mão, também entrega sua resolução com um equilíbrio tonal e sobriedade suficientes para manter a história que a precede no mínimo assombrosa, fazendo pensar não só no passado, mas no futuro de suas personagens. A vida, afinal, é uma sucessão de crises que devem ser remediadas, e neste filme esta situação é apenas mais uma delas – não há nada mais real e nada mais assustador que isso.

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