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Crítica | Turma da Mônica: Laços

Há uma grande armadilha a ser enfrentada por uma adaptação live-action de uma propriedade tão querida ao público brasileiro quanto a Turma da Mônica, criada por Maurício de Sousa: a imaginação de seus leitores. Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali são personagens visualmente bem caracterizadas, mas além disso, cada leitor deve concebê-los em ação de maneiras radicalmente diferentes em suas imaginações, portanto Turma da Mônica: Laços, dirigido por Daniel Rezende e roteirizado por Thiago Dottori com inspiração na HQ homônima, dificilmente agradaria a todos por transpor estas personagens queridas ao live-action.

No entanto, a escolha por adaptar Laços é interessante por dois propósitos. Primeiramente, os traços mais humanizados e a natureza mais contemplativa da HQ escrita por Lu e Victor Cafaggi garantem que sua trama seja adequada para um projeto que busque encontrar um registro médio das personagens, que fique confortável entre o realista e o cartunesco. A turma, agora, é realmente formada por crianças, que falam como crianças e não como personagens de um desenho, mas que se vestem com as mesmas cores primárias e possuem os mesmos comportamentos peculiares de suas versões originais.

De início, há realmente este estranhamento que forma uma barreira entre o espectador e o aproveitamento da trama, e julgamentos mais apressados podem colocar este distanciamento na conta dos jovens atores, especialmente Kevin Vechiatto como Cebolinha, de cujo ponto de vista a trama se inicia e cujo papel é mais exigente. Porém ele e o restante do jovem elenco, composto por Giulia Benite (uma Mônica impecável), Laura Rauseo (expressiva como Magali) e Gabriel Moreira (roubando a cena como Cascão) estão comprometidos com o registro mencionado acima, e nestes critérios se mostram como talentos mirins promissores, colocando suas marcas nas personagens.

O Limoeiro, por sua vez, é representado como um típico bairro pacato do interior, mas mantém um aspecto atemporal em sua ausência de tecnologia contemporânea e habitantes que não adotam nenhum padrão específico de vestimenta. As mães usam vestidos e penteados que remetem aos anos 50, enquanto os pais adotam vestes casuais mais contemporâneas, com cores discretas. Quanto aos elementos mais fantásticos dos gibis e HQs, são geralmente apresentados como easter eggs: Jotalhão e outros animais são pelúcias, e o Louco (Rodrigo Santoro) pode ou não ser um sonho ou alucinação.

O outro propósito que comprova a escolha de Laços como a mais certeira para esta introdução à Turma live-action é o de ser uma história de amadurecimento, de ritos de passagem – ou coming of age, como preferir. Aqui, a principal passagem condiz bastante com a força que o protagonismo feminino tem ganhado em gêneros dominados por homens, tomando forma no arco dramático de Cebolinha, que sempre acredita ser a voz da razão – “silêncio, gênio cliando” – mas aprende gradativamente a valorizar os dons de sua amiga Mônica para a liderança do grupo nesta aventura com ecos de Os Goonies e Conta-Comigo.

Este atrito trabalhado entre Cebolinha e Mônica eleva Turma da Mônica: Laços além de uma mera aventura infanto-juvenil para uma sensível contemplação sobre o que faz deles, eles. Além disso, ao longo da missão em busca de Floquinho, que é sequestrado por um misterioso Homem do Saco, a turma é testada tanto individual quanto coletivamente, culminando em uma ótima sequência de ação final na casa do sequestrador. Embora nada de sério ocorra com as crianças, cada um deles deve fazer pequenos sacrifícios para salvar o dia, finalizando seus arcos de forma orgânica e condizente com o resto da aventura.

Porém, além de tocar o âmago de suas personagens, Turma da Mônica: Laços proporciona prazeres mais lúdicos com frequência, ensaiando situações que capturam o dinamismo dos gibis de Maurício de Sousa e, por vezes, até mesmo fazendo experimentações formais. Se o momento da aparição de um “esquadrão anti-Turma da Mônica”, formado por um trio de garotinhas com pelúcias, é um deleite por si só, o aguardado trecho estrelado por Rodrigo Santoro como o Louco é o ponto alto do longa por usar de truques de montagem e mise-en-scène sofisticados que imprimem a desordem característica do coadjuvante sobre a cena.

Grande fonte do sucesso de Turma da Mônica: Laços está na direção de Daniel Rezende, justamente por este pensar, além de outras funções, como um montador – diga-se de passagem, um exímio montador que, entre outros feitos, foi lembrado pela Academia por seu trabalho em Cidade de Deus. Nada mais adequado para traduzir histórias que, assim como tantos filmes, são pensadas e contadas em quadros sequenciados. Mas além da decupagem, assim como em Bingo: O Rei das Manhãs, Rezende traz qualidades dramatúrgicas já em seus enquadramentos – o plano da encruzilhada com Cebolinha faz hábil uso dramático do espaço negativo da tela, simbolizando sua teimosia e criando falsas expectativas no espectador.

O que limita Turma da Mônica: Laços, ao mesmo tempo em que é fonte de algumas de suas qualidades, é a trama limitada em escala e acontecimentos. O principal antagonista, embora tenha seu momento cantando e dançando ao som de Fagner em seu covil, é muito pouco especificado além disso e não representa uma ameaça memorável. Enquanto isso, as conexões entre o sequestro de Floquinho e outros cães e o produto Cabelol são bem sugeridas e pontuadas ao longo do enredo, mas não se sente grande urgência ou tensão nisso – talvez porque o longa vise, acima de todos, o público infantil mais jovem.

Mas a turma toda está aqui. Turma da Mônica: Laços pode ser visto como uma expansão da marca de Maurício de Sousa dentro de uma mídia que desenvolveu um gosto por universos cinematográficos e adaptações de HQs. A diferença entre esta produção e tantas outras que visam iniciar franquias, além do entendimento e carinho aparentes pelo material original, está na desenvoltura de uma visão própria de suas personagens e seu mundo, que mesmo interrompida pela extrema despretensão da trama, cria curiosidade por futuros capítulos e adaptações comandados pelas mesmas mentes e encarnados pela mesmo elenco promissor. Turma da Mônica Jovem, lá vamos nós.

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