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Crítica | Um Espião Animal

Estúdio de animação que apresentou o diretor brasileiro Carlos Saldanha ao mundo, a Blue Sky não deixa dúvidas quanto à qualidade estética de suas produções desde que despontou com o primeiro filme de A Era do Gelo, mas ao longo de seus diversos lançamentos – todos centrados em animais falantes -, percebe-se que há ainda limitações na concepção de suas histórias e o trabalho com o humor.

Por conta da falta de uma assinatura em roteiros e conceitos, os filmes da Blue Sky não raro ficavam delegados a uma lista B em relação aos trabalhos de outros estúdios mais consagrados nesses aspectos. Embora Um Espião Animal não apresente um upgrade significativo nos departamentos, porém, esta se mostra uma produção completamente adequada às sensibilidades do estúdio, que prioriza a expressividade dos visuais.

Na caça por um supervilão, o espião Lance Sterling (Lázaro Ramos na versão nacional) sofre uma emboscada e corre à ajuda de seu peculiar assistente e inventor Walter para que este o torne “invisível”. O experimento, no entanto, transforma Sterling em um pombo, e agora ele é forçado a cooperar com Walter para que as tentativas de frustrar os planos de seu nêmesis deem certo e o mundo – além de sua agência – seja salvo de um destino terrível.

Primeiramente, o trabalho dos diretores Troy Quane e Nick Bruno dentro dos moldes dos filmes de espionagem permite que os animadores se aventurem em referências e estilos artísticos mais familiares ao público do cinema de ação contemporâneo, como Missão Impossível e Velozes e Furiosos. Mortes, conflitos e elementos sugestivos são amenizados, mas não totalmente excluídos, reconhecendo a popularidade do gênero e seu apelo mesmo com os pequenos.

Por outro lado, a transformação de Sterling em pombo abre espaço para a comédia de peixe fora d’água – pombo no chão? – e o trabalho com figuras animais expressivas e detalhadas, com um estoque sem fim de piadas com os comportamentos dos bichos – sem medo de evocar os detalhes mais escatológicos, como o hábito de comer lixo. Os traços dos animais, apesar de simplificados, são suficientes para acomodar uma gama de expressões.

Ambas as facetas, contudo, arrancam resultados modestos por não apresentarem novidades na forma como trabalham estes elementos. Sem nada de especial ou surpreendente, o desenho não empolga durante sua metade inicial, ao menos não tanto quanto a premissa e os talentos envolvidos – Will Smith e Tom Holland na versão original – nos levam a esperar. É um filme sobre pombos espiões, mas a sensação de déjà vu é inescapável.

Porém Um Espião Animal, mesmo sem uma sátira específica a oferecer ao público, faz o oposto nos pequenos detalhes e neles garante os momentos de maior interesse, desde a apresentação da mãe de Walter ao fascínio do jovem por coisas geralmente atribuídas a meninas, como a paixão por glitter cor de rosa, assistir doramas afetados e construir todo tipo de bugiganga colorida, sem um tom de escárnio. O não-conformismo de Walter é facilmente o aspecto mais refrescante do longa.

Não há cinismo também na construção dos ideais pacifistas do garoto, que insiste que o combate aos antagonistas seja feito por meio da bondade. Claro, a ideia de encarar um supervilão cruel com bugigangas que atiram glitter e hologramas de gatinhos só funcionaria em um desenho animado, mas é por isso mesmo que Um Espião Animal mostra ao que vem como filme de animação: comprometendo-se com a tolice dos próprios conceitos para elevar seu efeito cômico.

A contraposição dos ideais de Walter à visão tradicionalista de Lance permite ainda que a figura do espião charmoso seja questionada de formas razoáveis, sem que necessite ser desconstruída. São duas linhas de pensamento que em tese anulariam uma à outra, mas que coabitam uma mesma obra, conversando entre si para entregar um clímax diferente do esperado – há ação e conflito, mas o tom é inusitado e torna a batalha final coerente com o que o filme propunha.

Enquanto as outras produções da Blue Sky se garantiam pelo apelo dos visuais mas careciam de um quê a mais, Um Espião Animal talvez seja o primeiro do estúdio a apresentar ideias melhor arquitetadas, tanto para fazer o humor típico quanto para deixar uma impressão final mais permanente. O filme não decola tão rápido nas tentativas de fazer rir quanto gostaria, mas acerta o pouso o suficiente para fazer respeitar o que propõe, às crianças e aos adultos – e quem sabe os pombos – na sala de cinema.

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