Numa época de grandes franquias e universos conectados, é de se impressionar como a franquia da personagem Madea, criada e encarnada por Tyler Perry, já possui dez sucessos de bilheteria em sua conta, sem contar derivados. Os filmes da personagem falastrona e encrenqueira tem seu público nos EUA, criando uma tradição, mas é pouco conhecida em nosso solo. Portanto, é de se espantar que o décimo filme seja lançado por aqui nos cinemas.
Com o título de Um Funeral em Família, o novo longa dirigido por Tyler Perry poderia muito bem começar com um aviso de “este programa foi filmado em um estúdio ao vivo”. Desde o início, fica aparente a qualidade televisiva de sitcom, com um plano que estabelece o exterior de uma casa e depois, dentro dela, apresenta seu elenco de personagens num esquema multicâmera – várias câmeras que gravam um mesmo espaço simultaneamente -, com ângulos descuidados que cortam partes dos corpos dos personagens.
Como os filmes de Madea e sua família não tiveram lançamentos frequentes por aqui, fica difícil apontar que personagens apresentados pelo longa tiveram alguma construção prévia ou não. A impressão é a de que não houve, já que todos os diálogos dos familiares tem a superficialidade de um pires. No entanto, esses mesmos diálogos persistem por períodos excruciantes até que a temática fúnebre surja em cena, com a morte de um pai de família infiel durante uma de suas escapadas sexuais.
No longo caminho até esse incidente que incitará os demais acontecimentos do filme, revelam-se as duas faces do longa: uma é a comédia de esquetes com Madea (Tyler Perry) e seus irmãos decrépitos (Tyler Perry), que tentam esconder as circunstâncias da morte, e outra consiste do drama novelesco de adultério envolvendo a família do morto. Na realização de Perry, essas duas partes, apesar de ligeiramente conectadas pela morte, estão sempre em choque do começo ao fim da obra, representando curvas bruscas em uma estrada já esburacada.
São como dois filmes (ou programas de TV) que nunca coexistem naturalmente dentro da mesma estrutura, devendo interromper um ao outro em momentos inoportunos. Inoportunos, no caso, supondo que alguma dessas duas partes funcionam, o que não é verdade de maneira alguma. Um Funeral em Família engaja apenas como um guia involuntário de como fazer um filme falhar, e cada uma das facetas do projeto sofre de problemas específicos a elas além da falta de encaixe.
Para começar, a comédia de esquetes é apenas sem-graça, na falta de uma expressão melhor. Os trechos protagonizados por Madea e os outros velhos consistem nas personagens sentadas em cadeiras, em esquemas mal arranjados de plano / contraplano, competindo para ver quem grita ou fala mais. Quase nada do que sai de suas bocas tem a mínima construção cômica, sem desenvolvimento nem frase de efeito, tendo o mesmo esmero que um peido aleatório inserido na pós-produção.
Quando há gags, por assim dizer, estas são alongadas até que percam o efeito ou simplesmente não fazem sentido. O momento em que Madea deve preparar o corpo do morto para o funeral, no qual uma ereção do defunto atrapalha seu trabalho de fechar o caixão, se encaixa no primeiro caso. Outro trecho desconcertante, por sua vez, consiste no cadeirante Heathrow (Tyler Perry, quem diria) querendo colocar um bolo estampado em uma mesa da sala de estar sem sucesso. Sim, só isso. Entra no segundo caso, claro.
Fazer rir é uma tarefa mais fácil no lado novelão do longa, ironicamente. A construção simplista das personagens beira a autoparódia, o que pareceria proposital não fosse o ar de pregação e a trilha dramática que tentam dar um ar edificante a tudo. Os diálogos, então são constrangedores. A.J. (Courtney Burrell), o filho mais velho do morto, trai a esposa com a cunhada e diz “meu pai acabou de morrer” para explicar todas suas atitudes questionáveis. Já as mulheres mal tem o que fazer além de chorar por seus homens ou serem suas amantes.
A falta de agência feminina na trama acaba por contradizer a mensagem principal que se quer construir ao fim do dramalhão: um comentário sobre a masculinidade tóxica, de homens que maltratam ou objetificam suas mulheres, que pulam a cerca de forma inconsequente. Triste constatar que, não bastasse o mau trato que recebe durante o filme todo, Carol (Kj Smith), a esposa de A.J., escolhe largá-lo apenas após descobrir o adultério e, ainda por cima, ter a situação explicada de forma didática e extensa a ela – a mesma mulher deve ter uma dezena de falas no filme todo.
Quanto à incapacidade de mesclar a comédia e o drama, é curioso constatar como as duas partes necessitam ter seus respectivos “grand finales” em momentos diferentes por conta do desencaixe. A contraparte cômica tem seu “ponto alto” durante o funeral do título, uma longa colagem de piadas (?) ruins, enquanto a metade dramática culmina em um conflito na sala de estar que remete, talvez para o prazer do espectador cinéfilo, ao clímax do infame The Room, atingindo um nível amadorístico de dramaturgia e provocando boas risadas.
Seguro dizer, então, que neste Um Funeral em Família a comédia é a defunta e que seu drama é mais proveitoso se apreciado como comédia involuntária. Apesar da mínima intenção de transmitir uma mensagem moral, o filme de Tyler Perry carece urgentemente de direção e graça, falhando em preencher seus mais de 100 minutos com material que renderia, no máximo, um episódio de TV. Encerrar o longa com uma colagem de erros de gravação, por fim, é de coçar a cabeça: tudo aquilo que veio antes era o que estava valendo?