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Crítica | Vox Lux: O Preço da Fama

Diversas formas de arte são, com recorrência, diretamente associadas a atos violentos. Sejam filmes, games, música, quadrinhos, persiste o pensamento de que são influências possíveis no comportamento agressivo de adultos, adolescentes e crianças. Com Vox Lux: O Preço da Fama, o jovem diretor e roteirista Brady Corbet aborda esse elo e o explora, também, na direção contrária: e se um ato vil e indescritível de violência influenciasse uma peça de arte para o consumo das massas?

Vox Lux é segmentado, a partir de cartelas, em quatro diferentes etapas, a primeira intitulada apenas de Prólogo. Ambientado no fim da década de 90, antes ainda do massacre em Columbine, o capítulo se inicia com um acontecimento similar. A cena de abertura, chocante, nos apresenta à jovem Celeste (Raffey Cassidy, emulando a vocalidade de Natalie Portman) no exato momento em que um colega abre fogo contra professora e alunos na sala de aula. Celeste sobrevive por pouco.

No Ato 1, Gênese, a garota tem uma epifania inesperada de que, segundo ela, teria criado “algo terrível” logo após a tragédia: cria uma melodia e escreve, junto à irmã Eleanor (Stacey Martin), uma canção pop, que apresenta dias depois em uma missa em homenagem às vítimas do tiroteio. Capturada por câmeras ao vivo em rede nacional, sua criação torna-se um inesperado hit por todos os Estados Unidos, e ela então decide tomar a oportunidade e seguir carreira como artista pop.

Há uma atmosfera de desconforto diante de um possível oportunismo da garota. Estranhamente, ela não apresenta fortes sinais de trauma psicológico, apenas físico, por conta da vértebra baleada. O deslocamento de Celeste em relação às tragédias próximas dela e de seu país é ainda mais aparente quando, após ser informada de um avião que “bateu em um prédio de Nova York”, surge renovada em um luxuoso clipe musical para sua nova canção Hologram.

O comentário que Corbet faz quanto à perda de inocência e humanidade de Celeste, conforme ela mesma se torna um produto de consumo popular para suprimir tempos de crise, pode soar um tanto condescendente da parte do cineasta, assumindo que toda produção abraçada por um grande público traria, necessariamente, um esvaziamento anestésico. Porém Vox Lux veio para provocar e sabe disso, conseguindo , ao menos, fugir do básico em seus comentários.

Quando o longa pula para seu Ato 2, Regênese, e apresenta Celeste adulta (Natalie Portman, destoando de Cassidy como uma versão mais cínica da personagem), Corbet diminui o ritmo de sua obra para endereçar com mais clareza as questões levantadas nos atos iniciais. É explicitado que Celeste de fato se esvaziou para se manter como marca, não como símbolo de resistência – que é como ela se vende -, e sua visão de que os consumidores de suas músicas são reféns de uma “inabalável estupidez” – que, por sua vez, ela mesma alimenta e da qual depende.

Assim que um massacre ocorrido na Europa, cujos autores vestem máscaras usadas no clipe de Hologram, coloca Celeste numa situação midiática delicada, Vox Lux passa a investir em uma discussão ainda mais acinzentada e promissora dos valores de sua protagonista. Agora que é tida como a influência para um ataque, há um dilema: a algumas horas de um show, Celeste irá repensar sua produção vazia e cancelar a apresentação por empatia às novas vítimas ou usará a ocorrência para manter-se relevante?

Corbet vê um elo entre os massacres e a produção pop de Celeste, e este seria o narcisismo. Os assassinos e ela querem com seus atos atingir o máximo de pessoas e ganhar visibilidade. Apenas isso. Nem a violência nem as músicas da protagonista servem para difundir novas ideias ou qualquer tipo de pensamento crítico. As letras das músicas, aliás, infelizmente não estão legendadas em português, mas não fazem tanta falta já que é possível perceber quão formulaicas são pela repetição de padrões – a artista Sia, responsável pelas canções, faz no processo uma sátira de si mesma com os clichês de letras inspiradoras. Celeste quer apenas que todos se sintam bem com suas letras e melodias batidas, enquanto os atiradores querem apenas provocar o terror com sua matança indiscriminada.

Porém se Corbet expõe e comenta esse narcisismo, a vaidade pela vaidade, é curioso notar o quanto o estilo que o cineasta almeja soa igualmente vaidoso. Apesar de esteticamente estimulante do início ao fim, mérito também da fotografia de Lol Crawley e montagem de Matthew Hannam, a estilização nem sempre passa à frente o que Corbet gostaria de falar pela gratuidade. São, novamente, ideias visuais chamativas, com registros variados – fitas VHS, monitores de TV e viewfinders – e ângulos de câmera inusitados, mas que não necessariamente dão corpo às ideias do roteiro. Sem a narração de Willem Dafoe, que nos contextualiza de uma série de detalhes desde o alcoolismo de Celeste a contextos históricos, muito ficaria no ar.

Há um desencontro constante entre a mensagem que se pretende transmitir e o meio pelo qual ela se transmite, por vezes colocando Vox Lux em uma posição moralmente questionável. Muito se fala sobre a moral de um filme ser intrínseca à sua forma estética, de que o que é tido como forma também implica conteúdo. Não é um filme vazio de ideias, de maneira alguma, mas se a ideia central é criticar esse vazio que se apropria da realidade trágica, Corbet seria então passível do mesmo julgamento moral por usar de um massacre para criar sequências estilizadas?

Ainda assim, seria hipócrita condenar Vox Lux: O Preço da Fama quando a estilização da violência é tão comum e, como de costume, a arte é novamente usada como bode expiatório para diluir discussões mais urgentes sobre segurança, armamento popular, bullying e ainda o dinheiro. O filme fica aquém de suas ambições ao, diante de ideias e discussões tão promissoras, render-se a todo momento a um encantamento estilístico que o torna contraditório. Mas, ao menos, Brady Corbet mirou alto e acertou em algo acima da média e desacomodado. Diferente das criações de Celeste, Vox Lux quer e deve suscitar incômodas reflexões em seu público.

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