X-Men: Fênix Negra tinha tudo para ser uma completa bagunça. Além de ter de encerrar a linha temporal dos mutantes da Marvel nos cinemas, uma tarefa árdua já que há inúmeras incoerências entre cada filme da franquia, o longa dirigido por Simon Kinberg, roteirista usual da série e também do mal-fadado reboot de Quarteto Fantástico, marcou uma das últimas produções do estúdio 20th Century Fox antes de sua aquisição pela Disney, sofrendo os efeitos desta transição além de diversos problemas em sua produção, que levaram a adiamentos e uma reestruturação radical de seu enredo.
A maior surpresa aqui é que X-Men: Fênix Negra não resultou no produto incoerente que se esperava. No entanto, esta nova adaptação do arco da Fênix Negra – notoriamente reproduzido no decepcionante mas não desprovido de méritos X-Men: O Confronto Final – se trata do capítulo mais seguro, e talvez até entediante, da franquia cinematográfica por não acrescentar suas próprias viradas ao material e limitado também pelo compromisso em amarrar pontas soltas do ciclo iniciado em Primeira Classe em uma das mais curtas minutagens vistas em toda a série.
Se os primeiros momentos do longa são promissores, retratando entre outras coisas uma operação de resgate espacial realizada pelos X-Men – em uma das únicas ocasiões da franquia na qual vemos os mutantes alinhados e integrados com o governo americano -, e tecnicamente bem construídos, com destaque para a montagem alternada aflitiva entre o interior do Jato X e um ônibus espacial prestes a se desintegrar, nada do que vem depois apresenta o mesmo entusiasmo em explorar os poderes dos heróis titulares ou alguma situação que explore sua posição na sociedade. Em termos de construção de mundo, este é facilmente o capítulo mais vazio.
Quando uma ameaça alienígena vem ao planeta Terra para recuperar um poder absorvido por Jean Grey (Sophie Turner) durante aquela missão de resgate, X-Men: Fênix Negra torna-se mais em um “procedural” americano genérico com discretos toques de filme de herói – nisso, Capitã Marvel teve melhor proveito por ao menos construir algum mistério em torno do item procurado pelos antagonistas. O ritmo lento com que as linhas paralelas narrativas se encaminham a um cruzamento permite que tudo perca o vapor muito rapidamente, já que, de duas uma, conhecemos muito bem o perigo do poder incorporado por Jean e suas implicações na trama. Em outras palavras, falta suspense.
A natureza destes alienígenas, em especial de sua – aparente – líder interpretada por Jessica Chastain, subaproveitada em seu estoicismo, revela-se tampouco importante para o desenrolar da trama quanto ameaçadora. Até há alguns toques acertados de terror na direção de Kinberg, com ecos de Arquivo X e Invasores de Corpos, em trabalhar a mimese dos aliens e a consequente estranheza de ver pessoas de aparência comum agindo e locomovendo-se de forma estranha, como em um ótimo plano no qual a luz dianteira de um trem revela um túnel cujo teto e paredes estão repletas destes “humanos”, mas seu antagonismo é fraco e insuficiente.
A maior ameaça aqui é a própria Jean Grey, prometendo um conflito interno para os X-Men, mas desta vez as motivações – se comparadas com o mistério e a dramaticidade de O Confronto Final – provam-se pífias. Seu passado suficientemente trágico é resgatado para justificar suas ações menos pacíficas, mas assim como a morte da família de Magneto (Michael Fassbender) não criava uma fundação necessariamente sólida para seus surtos genocidas em X-Men: Apocalipse, é um bocado desconcertante ver Jean tão contemplada pelo mal após um desentendimento mais do que reconciliável com o Professor Xavier (James McAvoy).
A ruptura interna que ocorre entre os próprios X-Men após Jean matar, por acidente, um de seus membros mais importantes soa igualmente irracional e até um tanto preguiçosa no roteiro de Kinberg, que encontra no desencontro entre os mutantes uma oportunidade de se alongar sem oferecer nada de real sustância. Inclusive, não existem arcos individuais para as personagens como se viu em Primeira Classe e até o lotado Dias de um Futuro Esquecido: aqui são todos como peças de xadrez. Encerrar uma franquia com o sentimento de que suas personagens tornaram-se pragmáticas é, em si, sinal de uma má despedida.
Nada consegue aliviar ainda a sensação de que, em um capítulo que supostamente seria o clímax, tudo também aparente tão estático. As escolhas da direção de Kinberg provam-se repetitivas, insistindo no arranjo do plano / contra-plano / plano geral que se vê geralmente em séries televisivas e criando uma disparidade visual muito grande com os longas anteriores da série, muito mais inventivos. A partir do fim do primeiro ato, a montagem de Lee Smith ainda estaciona em um ritmo lento, sem criar urgência ou nem mesmo acertar a “slow-burn”. Mesmo a trilha do veterano Hans Zimmer parece enjoada em seu uso de temas que sacrificam a melodia e priorizam, isso mesmo, tubas e percussão acelerada.
De certa forma, o terceiro ato pedestre ganha um pouco de brilho com a sequência de luta a bordo do trem da MCU – Mutant Containment Unit, mas também pensei a mesma coisa -, porém o espaço limitado de cena reduz a escala da grande batalha a ponto de torná-la anticlimática. O trabalho de câmera e a montagem fazem o melhor para manter a coerência e a pancadaria clara ao espectador, e mesmo que nisso tenha algum sucesso, não alcança o que se espera de um filme cujo elenco apresenta um variado leque de poderes. Nem Mercúrio (Evan Peters) chega a ter seu momento tour-de-force em câmera lenta, tornando a – escura – experiência em 3D praticamente dispensável.
Se há algo que a franquia X-Men havia provado ao longo de seu duradouro e confuso desenrolar, seja na linha narrativa principal ou em seus diversos spin-offs, era a capacidade de subverter expectativas, tanto de roteiro quanto de execução geral. Até mesmo seus maiores fracassos contavam com alguns lampejos de criatividade capazes de elevar, ao menos, uma experiência frágil – como Ryan Reynolds, por exemplo, provou que X-Men: Origens rendeu pelo menos algo de bom. Como uma despedida forçada, X-Men: Fênix Negra é o capítulo menos frutífero e interessado da série – uma chama apagada pelos novos ventos do cinema de super-heróis.