Há filmes que nos levam a questionar a realidade, explorando as profundezas da dor humana e da sobrevivência em cenários de extrema adversidade. Farol da Ilusão, novo sucesso da Netflix, é uma dessas histórias. Ambientado em um cenário repleto de simbolismos e emoções intensas, o filme toca em temas universais como a luta de refugiados, a destruição causada pela guerra e as cicatrizes psicológicas deixadas em quem enfrenta situações extremas.
Mas será que essa trama é inspirada em fatos reais? E o que exatamente significa aquele final tão carregado de mensagens? A seguir, desvendamos tudo que você precisa saber sobre a obra.
O filme é inspirado em fatos reais?
Embora Farol da Ilusão não se baseie diretamente em uma história real, ele bebe da realidade de milhares de refugiados que enfrentaram situações semelhantes. O diretor Matty Brown se inspirou nos eventos trágicos envolvendo migrantes e solicitantes de asilo na fronteira entre a Turquia e a Grécia, um episódio que ganhou repercussão mundial em 2020.
Naquele ano, as autoridades turcas incentivaram imigrantes e refugiados a cruzarem para a Grécia sem a devida autorização. Esse movimento gerou uma resposta violenta das forças gregas, resultando em confrontos, mortes e naufrágios no mar Egeu.
Construção do enredo no filme
No filme, conhecemos a jornada da família de Nabil (Ziad Bakri), que tenta escapar da destruição causada pela guerra, mas acaba presa em um barco à deriva, cercada pelo “monstro azul” do oceano. A obra, apesar de fictícia, reflete o destino trágico de muitos refugiados, cujas histórias frequentemente se perdem em meio às disputas políticas.
Assim como muitos na vida real, Nabil vendeu tudo que possuía e confiou em atravessadores inescrupulosos para tentar oferecer um futuro melhor à sua família. Contudo, a viagem termina em tragédia, representando o desespero e o abandono que essas pessoas enfrentam. No início do filme, uma transmissão de rádio revela que o barco da família de Nabil estava a caminho da Grécia quando naufragou, refletindo o que de fato ocorreu com muitos migrantes em 2020.
Jana e a Ilha dos Coelhos
A narrativa do filme é conduzida pela perspectiva de Jana (Riman Al Rafeea), a filha mais nova de Nabil, que imagina sua família presa em uma ilha conhecida como Ilha dos Coelhos. Esse local não é fictício: trata-se da Palm Island, no Líbano, onde o filme foi gravado. A ilha, em sua mente, representa a lembrança de sua casa e a esperança de um lugar seguro, um contraste com o cenário devastador que ela enfrenta.
A tragédia pessoal de Jana começou muito antes da tentativa de fuga. Ela testemunhou a morte de sua irmã, Yara, durante o bombardeio de sua escola. A imagem do sapato vermelho de Yara, semelhante ao símbolo de A Lista de Schindler, assombra Jana, simbolizando a perda da inocência e as marcas da guerra. O sapato é novamente encontrado no filme, desta vez no oceano, como um símbolo do passado que continua a persegui-los.
A ilha imaginada por Jana reflete sua tentativa de lidar com o trauma e a culpa. A mãe, Yasmine, enterra o sapato na areia em um gesto simbólico de tentar trazer paz à filha, mas a realidade cruel do mundo externo impede qualquer alívio real. O filme utiliza essa ilha como uma metáfora para o isolamento dos refugiados, que estão presos entre países que os rejeitam e um mar que não oferece refúgio.
O papel de Adam no final
Enquanto a narrativa mergulha na mente de Jana, Adam, o irmão mais velho, assume um papel crucial. Ele é a ponte entre a imaginação de Jana e a realidade devastadora. Após a morte de Nabil e Yasmine, que sucumbem às dificuldades e traumas da fuga, Adam (Zain Al Rafeea) luta para proteger Jana. Ele acredita haver esperança quando ouve vozes no rádio e vê uma luz no horizonte, nadando em busca de ajuda.
O final do filme é ambíguo, deixando espaço para diferentes interpretações. Jana é resgatada por pessoas usando roupas de proteção, algo que remete à pandemia de COVID-19 que começava a se alastrar em março de 2020.
Esse detalhe sugere que eles podem ter ficado à deriva por semanas antes de serem encontrados. Porém, há quem interprete que essa cena seja fruto da imaginação de Jana, com ela e Adam também sucumbindo à tragédia do naufrágio.
Um final que provoca reflexão
A luta de Jana para manter o gerador da ilha funcionando simboliza sua tentativa de sobreviver emocionalmente em meio ao desespero. No entanto, enquanto a “ilha” afunda, o filme aponta para a fragilidade da esperança em um mundo consumido pela violência e pelo abandono. O farol que ela tanto protege representa a busca por uma luz em meio à escuridão, um resquício de esperança em um oceano de desespero.
Farol da Ilusão não oferece respostas fáceis. Ele nos convida a refletir sobre os horrores enfrentados pelos refugiados e como a política frequentemente os transforma em vítimas de disputas maiores. Ao misturar elementos fictícios com inspirações da realidade, o filme se torna um poderoso lembrete das histórias não contadas de milhares de pessoas que perderam tudo em busca de uma vida melhor.
Farol da Ilusão está disponível na Netflix.