O que é real?

Matrix Resurrections é audacioso e apelativo ao mesmo tempo

Quarto filme da saga Matrix não se manteve à altura do arrojado primeiro ato, repetindo vários macetes da irregular trilogia iniciada em 1999

Parece inacreditável imaginar que dezoito anos depois da dobradinha Matrix Reloaded/Matrix Revolutions (2003), estamos prestes a entrar dentro de uma sala de cinema para ter a chance de conferir Matrix Resurrections, quarto capítulo da franquia cinematográfica que chocou e espantou todos quando apresentou seu primeiro exemplar Matrix em 1999, ano conhecido por grandes lançamentos que marcaram época.

Vale dizer que apesar do terceiro filme carregar a palavra ‘Revolutions’ (no traduzido, Revoluções), apenas o original desenvolvido pelas irmãs Wachowski foi capaz de realmente revolucionar o cenário. Até Matrix aparecer virando tudo de ponta cabeça (positivamente falando), tínhamos com Jurassic Park – Parque dos Dinossauros (1993) de Steven Spielberg, a mais recente revolução tecnológica que aconteceu em Hollywood.

Pelas mãos habilidosas das Wachowski tivemos, literalmente, o que chamam de ‘game changer’!

Porém, não podemos dizer que as sequências Reloaded e Revolutions tiveram o mesmo impacto. Na real, quase nenhum!

Ambas produções lançadas em 2003 apresentam, inegavelmente, energizadas e inventivas sequências de ação, mas que não foram o suficiente para conduzir a história adiante de modo minimamente satisfatório, especialmente Matrix Revolutions, o ponto mais baixo da série de filmes.

Em pleno 2021, ganhamos um quarto volume com Matrix Resurrections, desta vez dirigido apenas por Lana Wachowski, que não se acanhou nem um pouco em tentar algo realmente diferente! Entretanto, não sustentou o rótulo de Matrix “diferentão” por muito tempo, já que apelou demais (!) para o passado questionável da trilogia, colocando em prática o famoso ‘um pé para frente, um pé para trás’.

Agora, para descobrir se sua realidade é uma construção física ou mental, o Sr. Anderson, também conhecido como Neo (Keanu Reeves), terá que escolher seguir o coelho branco mais uma vez. Se ele aprendeu alguma coisa, é que a escolha, embora seja uma ilusão, ainda é a única maneira de sair – ou entrar – na Matrix. Neo já sabe o que deve fazer, mas o que ainda não sabe é que a Matrix está mais forte, mais segura e muito mais perigosa do que nunca.

O (audacioso) primeiro ato

Nunca a frase – “o filme começou bem, mas depois foi caindo” – fez tanto sentido!

A cineasta Lana Wachowski, junto dos roteiristas David Mitchell e Aleksandar Hemon, realmente propuseram algo fora da caixinha quando pensamos sobre o peso e relevância desta franquia cinematográfica.

Para proteger os espectadores de um primeiro ato surpreendente, não é justo revelar muito do que acontece, ainda mais com o objetivo de preservar algumas boas risadas que podem surgir na parte inicial de Matrix Resurrections. Sim, risadas!

Todavia, vale atiçar nossos leitores afirmando que temos aqui um convidativo exercício de metalinguagem capaz de fazer com que os fãs sintam suas crenças recompensadas de alguma maneira, pois exploram através dos diálogos muitas possibilidades sobre o que é a Matrix. E não estamos falando exclusivamente da realidade simulada, viu?!

Coletânea ‘Greatest Hits’

É uma pena que a proposta do primeiro ato não se sustenta por muito tempo, uma vez que o roteiro criado pelo trio opta por olhar para trás na tentativa de manter o legado de certa forma.

Na parte central da trama encontraremos os momentos mais improdutivos de Matrix Resurrections, que mira revitalizar o material, mas termina exatamente no mesmo lugar que ficou em 2003.

(Observação: existe um excesso descabido de cenas flashback que mais servem para que lembremos de alguns momentos bem esquecíveis dos dois filmes anteriores do que para indicar a mente confusa do protagonista Thomas Anderson/Neo)

Sim, existe uma nova roupagem, tanto pelo elenco quanto na cinematografia (sai Bill Pope, entram Daniele Massaccesi e John Toll), porém, temos atores muito subaproveitados, como Yahya Abdul-Mateen II que começa empolgando mas perde toda a relevância pelo meio do caminho, ou Jessica Henwick e Neil Patrick Harris, profissionais talentosos limitados por uma direção burocrática de Lana Wachowski; o mesmo vale para a direção de fotografia da nova dupla selecionada pela visionária cineasta que dificilmente repetiria o feito do original de 1999, mas que arriscou pouco, abusando da câmera lenta relembrando o pior de Michael Bay ou Zack Snyder, chegando inclusive a filmar pobremente algumas cenas coreografadas de luta corporal logo na abertura.

Ponto positivo: Jonathan Groff entrega uma releitura muito interessante no papel do nêmesis de Neo. Irônico, imponente, além de fisicamente ameaçador.

Era sobre amor…

Quando chegamos no segundo ponto de virada do enredo, notamos uma pequena pulsação, pois estamos prestes a sermos apresentados ao novo Arquiteto da Matrix. No entanto, isso foi insuficiente para ressuscitar algo que pena para escapar do engessado tradicionalismo institucional da franquia.

O que começou provocando com uma mistura de Ilha do Medo (2010), Anjos da Lei 2 (2014) e Calmaria (2019), junto de uma denúncia-sátira sobre a Hollywood atual, acomodada e sem criatividade, terminou sendo um tiro no próprio pé. Muito pela falta de seguimento com o que foi visto no começo de Matrix Resurrections, que pouco antes dos créditos finais deixou muito claro que a obra de Lana Wachowski pretendia comentar sobre a força do amor, além da realidade ou mundo virtual.

Curioso que este é o segundo filme seguido de Keanu Reeves a falar sobre o que o amor é capaz de fazer, dado que ano passado ele estrelou ao lado de Alex Winter na comédia sci-fi Bill & Ted: Encare a Música. Sendo que a comédia abilolada sobre dois homens adultos que se comportam como adolescentes ingênuos e sonhadores insiste na sua proposta do começo ao fim, enquanto Matrix Resurrections simplesmente puxou o freio de mão.

E é bom ir logo avisando que existe a possibilidade de haver outras produções da marca Matrix em um futuro próximo, portanto, basta Lana Wachowski fazer como George Miller fez no espetacular Mad Max: Estrada da Fúria (2015), ou seja, olhar para frente sem se preocupar com as formas narrativas feitas lá atrás.

O bom passado já está solidificado, logo não precisa ser remodelado.

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