É um costume dos latino-americanos apreciarem as telenovelas. Aqui em nossa terra, sempre a maior força dramática repousou na televisão, muito mais do que no cinema ou até teatro. Mais ainda, ao lado de Colômbia, e principalmente México, pode-se afirmar que somos referência no quesito. Portanto, é curioso quando o cinema, seja de que país for, ousa fazer filmes-novela, ou novela para cinema. Caso da nova obra do cineasta Pablo Trapero, La quietud, já conhecido por longas como Abutre e o surpreendente O Clã.
O filme em exibição na Mostra SP narra a vida de duas irmãs, Mia e Eugenia, que não se viram por muitos anos, e se reencontraram após o pai sofrer um derrame. As duas e a mãe voltam a ficar sob o mesmo teto na propriedade rural da família chamada La quietud, que fica perto de Buenos Aires. Assim, as três terão que lidar com situações e traumas emocionais do passado, que se desenrolou em meio à ditadura militar. Segredos ressurgem, amplificados pela inquietante semelhança física entre as duas irmãs.
Interessante que recentemente outro filme a ir nessa mesma linha de misturar aspectos de telenovela e cinema foi Um Pequeno Favor de Paul Feig, estrelado por Anna Kendrick e Blake Lively. Mas, no caso do filme hollywoodiano, estes aspectos se encontram mais no tom absurdista e na quantidade de plot twists perto da resolução da trama. Já, no caso do longa-metragem de Trapero, pode ser comparado com algumas telenovelas brasileiras, especialmente as mais antigas, com enredos que abordam casos, confusões, traições e mortes dentro do âmbito familiar.
Geralmente, uma das críticas que as novelas de televisão ganham, seja da crítica especializada ou do público geral, está relacionada ao trabalho de atuação de boa parte de seu elenco, regularmente mal dirigido por diferentes diretores, que muitas vezes são pouco convincentes em suas ações e emoções, ou pela plasticidade, artificialidade na performance. Difícil questionar isso, mas graciosamente, existem muitas exceções, mesmo em nosso território, como por exemplo: Wagner Moura, Rodrigo Santoro, Matheus Nachtergaele, além dos mais velhos, que são os lordes e damas da televisão brasileira, como Fernanda Montenegro, Tonico Pereira e Irene Ravache. E, esta é a receita de sucesso de La quietud.
De texto que aborda bem as relações conflituosas, ainda mais com as mulheres da trama, que ficam à altura do choque de encontro de personalidades diferentes, também muito explosivas, vide a cena onde Mia e sua mãe Esmeralda entram em uma discussão que poderia ser minúscula, mas que toma forma grandiosa e estridente ao discordarem do ano em que foi feita certa filmagem de uma viagem em família.
Não que Bérénice Bejo, que ficou mundialmente conhecida após o sucesso do filme O Artista, dirigido por seu marido Michel Hazanavicius, deva ser deixada para trás, longe disso. Mas, é inegável que a corrente elétrica entre as atrizes Martina Gusmán e Graciela Borges está sempre na voltagem máxima. É, por elas, que lembramos os grandes embates de mulheres nas novelas nacionais, e ambas não poupam na questão dramaticidade, com gritos, choros e olhares de desolação.
Notável também é o fato de que o filme da Mostra SP é em sua natureza, completamente despudorado, uma das características em falta no cinema mundial, mesmo o europeu que sempre teve comportamento mais libertino em relação ao resto do mundo. As cenas de sexo, que não são poucas e miram agradar ambas orientações sexuais, são em essência, quentes, muito quentes! Nesse ponto, todos os atores envolvidos nelas se saíram bem, até os homens do enredo, Esteban e Vincent, respectivamente interpretados por Joaquín Furriel e o ator hollywoodiano Édgar Ramírez. Sorte deles de haver estas encenações de sexo, pois se dependesse de outros fatores, os galãs sempre seriam engolidos por suas colegas de profissão.
Em La quietud, o cineasta Pablo Trapero continua a retratar tipos baixos, assim como fez em O Clã, também colocando em oposição as figuras de progenitor e cria. Porém, aqui ainda há um clima e maior possibilidade para alguma redenção pensando nas irmãs Montemayor.
Irônico e agradável de se testemunhar o conceito de Pablo Trapero no longa, já que ele não esconde do público, como seria mais suave e satisfatória a vida das mulheres desta família, sem seus homens pelo caminho.