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Mostra SP | Crítica: Um Trem em Jerusalém

Um dos maiores nomes na Mostra SP deste ano é o do autor, professor, arquiteto, artista e cineasta Amos Gitai. Com tantos predicados, é fácil imaginar seu prestígio ao redor do mundo, com seus filmes, romances, exibições que hoje somam mais de noventa trabalhos em quase 50 anos de carreira. Assim, não é nenhuma surpresa sua mais recente obra para o cinema ser um dos melhores, e mais maduros, longas-metragens sendo exibido na 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Talvez, no quesito de reconhecimento pela filmografia extensa e relevante, o diretor israelense esteja apenas atrás do cineasta octogenário Paul Vecchiali.

Um Trem em Jerusalém, que tem a renomada participação especial do ator francês Mathieu Amalric, relata as vidas que entram a bordo do trem que cruza pela cidade de Jerusalém, conectando vários bairros denotando suas variedades e diferenças. Relatando passagens do cotidiano de alguns passageiros em uma série de breves encontros que acontecem pelos bairros palestinos de Shuafat e Beit Hanina, na Jerusalém oriental, até o Monte Herzl, a oeste da cidade, é apresentado um mosaico constituído pelo multiculturalismo das vidas de seus habitantes, em todos os seus conflitos sociais, políticos e religiosos, e até suas reconciliações.

Definir Um Trem em Jerusalém é dizer que o longa de Amos Gitai trata de algo extremamente complexo, ambivalente, polivalente como é a composição do país Israel, mais especificamente sua capital disputada entre israelenses e palestinos, de maneira simples, madura e estruturada.

É, sempre necessária, além de uma forma progressiva de se pensar e agir, que todos analisem a situação conflituosa e persistente em Israel, evitando tomar lados, analisando como forasteiros, sem deixar de lado, o contexto de seus habitantes. Sim, não é uma circunstância ou quadro simples de se solucionar, e nem vai ser. Aí entra o mérito de Amos Gitai, pois o autor, usando muito bem elipses, apresenta em transições os enredamentos e mudanças súbitas que são parte da subjetividade de cada um dos indivíduos desta nação, e melhor ainda, sem aliviar para um lado ou para o outro, igualando-os em suas virtudes, e nas deficiências.

Outro longa, que no começo deste ano, também retratou os conflitos que são parte de sua rotina, foi O Insulto de Ziad Doueiri, porém, neste a briga é entre cristãos e palestinos que habitam o Líbano. Voltando a Um Trem em Jerusalém da Mostra SP, ainda há este adendo, pois também há cristãos sendo parte da capital israelense. No filme, temos algumas cenas com um padre cristão, do tipo atrevido, que fica em voz alta profetizando passagens da Bíblia dentro do vagão do trem, enquanto todos a volta, nem dão bola para o que o profeta diz.

Mas, se existem dois fatores que elevam a obra de Amos Gitai, além do fato de retratar a capital de Israel em todas suas etnias, religiões e políticas em diferentes gerações, são: o primeiro, as diferentes maneiras e visões que alguns personagens têm do sol; e o retrato de Jerusalém como um casamento em crise, usando uma cena de discussão de um casal no vagão do trem.

Na questão do sol, temos quatro personagens mostrando versões diferentes de como sentem o mundo a sua volta, seja dentro das fronteiras do país, ou além delas. Um faz uma relação, usando um trecho dito por Leon Trótski, sobre a importância da extinção do capitalismo para colocarmos o mundo no eixo; outro casal israelense, usa a estrela como um símbolo do poder bélico de seu exército, exaltando-o como sua maior qualidade patriótica; e por último, o personagem sem nome de Mathieu Amalric que ao lado do filho viaja como turista pela cidade, que vê o sol de uma maneira mais espiritual, como um meio meditativo ou reflexivo de paz interior e compreensão.

Já, o casal que discute sua relação e se vale a pena ou não continuar no casamento, é uma alegoria belíssima e de elogiável maturidade de Gitai sobre como é complicada nossa relação com a democracia. Pois, esta assim como um casamento, flui dos momentos de sucesso, aos solavancos bruscos, que demandam mudanças e adaptações, porque são nestes momentos que se encontram as oportunidades de evoluir, visando um equilíbrio de bem-estar de todos a volta.

Um Trem em Jerusalém de Amos Gitai propõe algo muito nobre, mais do que tentar salvar o mundo, entendê-lo é algo essencial.

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