O quarto longa-metragem da carreira do diretor Mike Mills, Sempre em Frente, tem sido elogiado mundo afora. Muitos descrevem seu mais recente trabalho como um material doce e afável, especialmente pela relação no centro da história entre um tio e seu sobrinho.
Algo que se revela um tanto curioso, uma vez que Sempre em Frente – assim como seus dois filmes anteriores – fecha aquilo que chamamos de trilogia do luto.
Mike Mills repete o que fez Jason Reitman (outro cineasta reconhecido atualmente), compondo três obras de histórias diferentes que apresentam similaridades temáticas que se completam de certa forma.
Em 2007, Reitman e a roteirista Diablo Cody deram partida na trilogia do amadurecimento com o surpreendente Juno – revelando o ator Elliot Page para o mundo. Seguiram em frente no irregular Jovens Adultos (2011) e finalizaram no ótimo Tully (2018), estrelado pela talentosa Charlize Theron.
Enquanto a trinca de Mills começou com o caloroso Toda Forma de Amor (2010), continuou em Mulheres do Século 20 (2016), e agora, encontra seu capítulo final no maduro Sempre em Frente, em exibição nas salas de cinema pelo país.
Apelidamos de trilogia do luto, pois cada uma das obras gira ao redor de alguma forma de pesar na vida, seja por alguém que se foi ou por um tempo que não existe mais. Em Toda Forma de Amor, vemos o cineasta se despedindo de seu pai, que apenas assumiu sua homossexualidade pouco antes de sua partida; já em Mulheres do Século 20, testemunhamos flashes de memórias indicando uma infância e adolescência confusa, mas repleta de movimentos protagonizados por mulheres notáveis, como sua própria mãe.
Aí fica a pergunta: quem morreu em Sempre em Frente?
Fisicamente? Ninguém!
Contudo, não escaparemos do sentimento de perda neste trabalho de Mike Mills, que explorou a morte de uma ideia, um conceito. Aquilo que acreditava poderia ser, mas que não saiu como o esperado.
Johnny (Joaquin Phoenix) é um jornalista de rádio que viaja pelo país com seus parceiros de produção, entrevistando crianças e adolescentes sobre suas vidas e seus pensamentos sobre o futuro. Enquanto trabalhava em Detroit, ele liga para sua irmã Viv (Gaby Hoffmann), com quem não falava desde a morte de sua mãe por demência, um ano antes. Viv pergunta a Johnny se ele pode ir a Los Angeles e cuidar de Jesse (Woody Norman) – seu filho de nove anos – já que ela precisa viajar para Oakland para cuidar de seu ex-marido Paul (Scoot McNairy), que luta contra uma doença mental. Tio e sobrinho rapidamente criam um vínculo, apesar da personalidade difícil de Jesse e da falta de boa vontade de Johnny de falar sobre sua própria vida.
O poder das imagens
Este é o primeiro longa-metragem de Mike Mills que foi filmado em preto e branco, algo deveras apropriado pensando na temática já apresentada em questão. Os belos e sensíveis recortes do diretor de fotografia Robbie Ryan (Eu, Daniel Blake; A Favorita; História de um Casamento) destacam a sobriedade crua de algumas cidades que passaram por acontecimentos marcantes, que trouxeram dor e uma nova consciência para aqueles que viveram tamanha abalo.
Lembrando que Detroit foi um dia a capital da indústria automotiva nos Estados Unidos, no entanto, devido à reestruturação industrial, à perda de empregos na indústria automobilística e à rápida suburbanização, testemunhamos Detroit entrar em um estado de decadência urbana, perdendo população considerável desde o final do século XX até o presente; já as feridas novaiorquinas são mais recentes, quando no início deste século, assistimos ao vivo pela televisão, enquanto dois aviões se jogaram contra as duas torres símbolo do poder e sonho americano; enquanto no centro cultural da cidade musical de Nova Orleans, observamos o horror causado pelo Furacão Katrina em 2005, que destruiu 80% da urbanização local, causando mais de 1.800 mortes e 125 bilhões de dólares em danos.
Em Sempre em Frente, vemos Mike Mills exaltando a grande beleza destes lugares destruídos de alguma forma no passado, no caso, através das crianças e adolescentes que participam de seu programa de rádio dando suas opiniões e visões sobre o que acham da vida e dos adultos que as rodeiam.
Sobre realmente escutar o outro
Vivendo em uma era fissurada por tudo aquilo que é visual, tornou-se um tanto complicado para nos conectarmos com aquilo que o outro está falando. Escutar o que o próximo tem a dizer nunca foi tarefa fácil, mas pela visão e inteligência emocional do cineasta americano de 55 anos de idade conseguimos adentrar pelas vulnerabilidades que por tanto tempo evitamos, ou mesmo escondemos daqueles que estão ao nosso lado.
O diretor volta a repetir algo de Jason Reitman em seu próprio filme, quando grava os depoimentos dos mais jovens, praticamente de modo documental, assim como fez o citado em Amor Sem Escalas (2009), exibindo alguns relatos de pessoas que perderam seus empregos de muitos anos, logo após à crise financeira que assolou os Estados Unidos na primeira década do século.
No mais sazonado de seus projetos cinematográficos, encontramos um Mike Mills preenchendo à grande tela na eletricidade de dois indivíduos que se desconhecem, mas sabem que existe muito mais ali do que os olhos podem ver.
Perto do final, testemunharemos um divertido e emocional momento de ligação semelhante entre tio e sobrinho, adulto e criança, quando ambos agem como feras selvagens no meio do verde florestal, como em um processo de aceitação da própria realidade daquele instante, que na verdade já se foi, algo que em segundos poderá pertencer à um passado que não necessariamente lembraremos mais adiante.
Porém, o encanto na vida, assim como nesta obra de Mills, fica que em cada uma das mortes diárias em nossas rotinas representam um processo natural de transformação. Pelas cartas do tarô, ouvimos falar que a carta da Morte não está associada ao perecimento humano, mas nas transições e reformas que surgem dos fins. Sempre avisando que tais mudanças só acontecem quando, apesar das perdas e dores, seguimos em frente.