Pensar em adaptações de universos literários é lembrar sempre de grandes apostas. Os estúdios investem milhões, fãs mergulham na expectativa e, caso tudo dê certo, novos capítulos entram para o hall de clássicos do entretenimento. Nem sempre o projeto alcança altos patamares, mas o que fascina é a possibilidade de descobrir detalhes que antes passavam despercebidos.
No caso de uma franquia como O Senhor dos Anéis, cada filme ou série que se propõe a revisitar a Terra-média carrega o desafio de não comprometer a qualidade da obra original, mas, ao mesmo tempo, encontrar um caminho próprio. A animação O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim, situada cerca de 260 anos antes da Guerra do Um Anel, tenta exatamente isso ao expandir a mitologia de Rohan, reforçando o encanto que já havia sido mostrado em As Duas Torres.
A história do novo longa-metragem destaca o conflito entre Helm Hammerhand e Wulf, muito tempo antes dos eventos que culminariam na luta de Éowyn contra o exército de Saruman. A produção busca pôr em evidência a bravura rohirrim desde seus primórdios, inserindo acontecimentos que, apesar de não terem a magnitude de exércitos de orcs, são igualmente marcantes.
Essa conexão entre passado e futuro se estabelece quando reconhecemos a voz de Miranda Otto na narração, trazendo Éowyn de volta para conduzir o público durante a narrativa. Mas, para além disso, a presença de Héra, guerreira que inspiraria gerações, reforça as origens das famosas guerreiras de Rohan e adiciona um diferente peso ao ato heróico de Éowyn.
Fortalezas que carregam memórias
Mesmo sem os espetáculos visuais que consagraram a versão de Peter Jackson, a animação se aprofunda na importância de Helm’s Deep para a cultura rohirrim. Antes de se tornar palco de um cerco grandioso contra Uruk-hai, o local servia como um refúgio em ocasiões de grande perigo. Essa nova abordagem faz com que o público entenda melhor como cada pedra de Helm’s Deep guarda lembranças antigas. Numa longa sucessão de invasões e batalhas, os rohirrim foram aprendendo a se defender de diversas formas, como se o valor de um povo se provasse toda vez que eles se recolhem naquela mesma fortaleza.
Um dos pontos que reforça esse panorama é o fato de, nesse período, os inimigos não serem orcs, mas humanos liderados por Wulf, ressaltando as tensões políticas e culturais que ajudaram a moldar a identidade de Rohan. Embora muitos espectadores estejam acostumados a enxergar somente a diferença entre “bem e mal”, esses desdobramentos históricos demonstram como conflitos internos também afetam as alianças na Terra-média.
A figura de Éowyn, em especial, ganha força ao ser associada a uma ancestral de destaque. Se antes a determinação dela aparecia quase como um ato inesperado de ousadia, agora entendemos que as mulheres de Rohan já carregavam esse espírito de luta desde muitas gerações atrás. Esse elo transpõe o tempo e dá ainda mais sentido na célebre frase “eu não sou um homem!”, falada quando ela enfrenta o Rei Bruxo.
Da mesma forma, a narrativa deixa claro que o sentimento de proteção pela terra natal não floresceu de repente. A cada investida inimiga, Rohan forjou não apenas sua fama de cavaleiros habilidosos, mas uma característica comum de união familiar. Héra é lembrada por suas atitudes, e a sua história atravessa fronteiras, inspirando heroínas que surgiriam muito depois.
Encadeando lendas e inspirações
Embora essa nova produção não siga necessariamente o mesmo estilo de Peter Jackson — nem possua a mesma notoriedade —, ela complementa a grandiosa tapeçaria de Tolkien com cenas e informações que oferecem outras motivações por trás de atos futuros.
A Guerra dos Rohirrim não tenta substituir a grandiosidade das batalhas vistas em As Duas Torres. O longa cumpre a função de preencher lacunas e evidenciar raízes que, em outro momento, passariam batidas. Até mesmo as falas de personagens queridos se revestem de um novo tom quando consideramos os antepassados que lutaram no mesmo lugar, pelas mesmas razões.
Quem voltar a As Duas Torres após assistir a essa animação provavelmente terá um olhar diferente ao ver os rohirrim fugindo para Helm’s Deep ou se unindo para defender suas fronteiras.
A Guerra dos Rohirrim está em cartaz nos cinemas.