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Crítica | O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos

Há algumas semanas atrás, foi lançada nos cinemas a animação Cinderela e o Príncipe Secreto, uma releitura nada criativa da história da princesa, agregando a uma série de produções que tentam tirar leite de pedra. Era, no entanto, uma obra de baixíssimo orçamento e pouca publicidade, lá fora destinada ao mercado home-video, que está cheio dessas animações. Por isso mesmo, é espantoso notar que O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos, a mais nova superprodução da Disney, tenha o mesmo ar de entretenimento mequetrefe.

Numa adaptação livre – bem livre – da história O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos, de E.T.A. Hoffman, a roteirista Ashleigh Powell bolou uma trama típica de fantasia infantil. Nela, Clara (Mackenzie Foy) adentra em um mundo mágico dividido em quatro reinos e descobre que sua falecida mãe era sua grande rainha e protetora. Como sua herdeira e instruída por Sugar Plum (Keira Knightley), a garota tem o dever de proteger os reinos da temida Mãe Ginger (Helen Mirren) e o Rei dos Camundongos (só um camundongo em CGI), que ameaçam a paz há anos.

Sua premissa genérica não seria um grande incômodo se fosse imbuída com personalidade. Não é o caso deste roteiro, que avança de forma apressada, como a versão mais mastigada possível de uma história previamente contada. Salvo pela introdução, que faz um bom trabalho de apresentar a protagonista e seus anseios, o restante do filme é uma fantasia livre de “calorias” e, portanto, sem grandes personagens e nem mesmo conceitos. Quando outras obras pecam pelo excesso, esta peca pela escassez, o que facilita notar a fórmula por trás.

Embora o título seja O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos, nenhum deles é o foco aqui. Na verdade, pode-se dizer que o enredo não possui um enfoque muito forte em nada, já que o luto da protagonista, que mais se aproxima de um motor para a trama, é pouco mais que um detalhe e leva a uma mensagem final insatisfatória. Já o conflito ao fundo é vago: sabemos que a morte da mãe de Clara levou a um caos interno entre os reinos, mas muitos detalhes não são dados. É um dos universo mais pobres vistos em uma superprodução recente.

Nenhum dos reinos do título é explorado a fundo, e suas particularidades se limitam a detalhes superficiais: o Reino do Gelo é congelado, o Reino dos Doces é decorado com balas, o Reino das Flores é florido e o Quarto Reino é apenas uma floresta enevoada. A maior parte do tempo é gasta entre esse último reino e os interiores do castelo. Por conta disso, não há muita variedade visual e falta uma sensação de escala para a história, apesar dos esforços do diretor de arte Guy Hendrix Dyas (A Origem) em criar sets detalhados.

Ironicamente, a sequência mais expressiva do filme todo tem a aparência de um balé filmado, porém com intervenções digitais. Trata-se do único momento em que se nota uma tentativa mais madura de unir visual e narrativa, apresentando – mesmo que por cima – a história da mãe de Clara e sua primeira jornada pelos quatro reinos. Nele, o diretor de fotografia Linus Sandgren (O Primeiro Homem) também tem a chance de brincar mais com a luz, rendendo alguns planos memoráveis – como o regente em frente à orquestra, em referência à clássica animação Fantasia.

De resto, fica difícil ignorar a falta de setpieces, ou seja, grandes cenas que justifiquem o alto valor de produção. A batalha final não empolga, por mais inusitado que seja ver Helen Mirren brandindo um chicote para cima de soldados de brinquedo gigantes. Isso em si prova que algo deu muito errado, e embora seja tentador responsabilizar o fraco Lasse Hallstrom (Chocolate), que deixou a produção por conflitos de agenda, a entrada de Joe Johnston (Capitão América: O Primeiro Vingador) com certeza não acrescentou muito ao projeto.

Enquanto Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível comprometeu-se com sua reformulação inteligente da história do Ursinho Pooh e Cinderela optou por uma reprodução fiel e caprichada de seu material fonte, O Quebra Nozes e os Quatro Reinos fica no meio e sofre por isso. O filme se distancia da história original, mas não oferece nada no lugar, contentando-se com uma mistura vazia de elementos vistos em fantasias recentes. Sinal de que boas ideias originais já estão se esgotando para a Disney? Espero que não.

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