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American Crime Story discute tensão racial e vai além do caso O.J. Simpson na estreia

É ousado para uma série começar seu primeiro episódio com o vídeo do taxista negro Rodney King sendo espancado pela polícia em 1991, um caso que ficou internacionalmente conhecido como exemplo do racismo das forças policiais americanas – mas é uma escolha necessária para American Crime Story: The People vs. O.J. Simpson.

Essa primeira cena da série dos mesmos criadores de American Horror Story serve para os espectadores desenharem paralelos entre o clima entre a polícia e os cidadãos negros no começo dos anos 90, e a situação similar em que estamos agora. É uma forma de nos dizer que essa série vai ser, às vezes, muito mais sobre tensão racial do que sobre os detalhes já conhecidos do caso real em que se inspira. Nós já sabemos o que aconteceu com O.J. Simpson – o que nós não sabemos é o que aconteceu além da cobertura da mídia, e o quanto a tensão racial teve um papel no assim chamado “julgamento do século”.

Isso fica claro em “From the Ashes of Tragedy”, o episódio piloto, desde a primeira cena entre Johnnie Cochran e Christopher Darden, dois advogados negros que se veem em lados opostos no julgamento. A tensão é palpável porque Darden é um homem negro que está trabalhando na defesa da polícia, em uma época em que a violência dessa instituição em relação aos cidadãos negros era discutida largamente. A defesa deles é sempre a mesma: eles sentiram que suas vidas estavam ameaçadas. E não importa o quanto se prove que as vítimas estavam desarmadas, ou não fizeram movimentos bruscos, não importa quantas testemunhas, ou que o número de pessoas negras mortas ou feridas em casos assim seja exorbitantemente maior que o número de pessoas brancas, esse argumento raramente é vencido. Cochran dá uma bronca em Darden por não escolher um lado nessa disputa, e Darden confessa que está pensando em se demitir do trabalho. É uma cena quietamente importante e bem-feita, que ressoa no contexto maior da narrativa.

Apesar do seu nome estar no topo dos créditos, o envolvimento de Ryan Murphy – cocriador de American Horror Story – com American Crime Story é periférico. Ele dirige alguns episódios, enquanto o roteiro fica por conta de Scott Alexander e Larry Karaszewski, que fazem um trabalho sólido, que presta atenção tanto nas partes mais importantes do caso real que retratam quanto nos detalhes mais insignificantes da narrativa que constroem, criando um todo coerente e impressionante.

“From the Ashes of Tragedy” se move com elegância pelos primeiros passos do caso, com O.J. (Cuba Gooding Jr.) indo até o aeroporto à noite para viajar para Chicago, os corpos de Nicole e Ron sendo encontrados, o envolvimento de Clark, e a fuga de O.J. É uma história intensa que ao mesmo tempo se desenvolve com sutileza – ACS nos introduz a cada peça nesse jogo de xadrez cuidadosamente, fazendo com que nos importemos em (re)descobrir quem eles são e quais serão seus papeis nessa trama.

Até a direção é Ryan Murphy é admirável nesse episódio, mostrando auto-controle quando preciso, criando imagens evocativas e cheias de suspense. E a série ao redor dele ajuda, tirando da cartola temas e discussões interessantes não necessariamente ligadas ao caso principal, principalmente o aspecto de espetáculo hollywoodiano que as proporções do caso permitiram, e que a celebridade de O.J. incentivou. Vários momentos da série nos mostram isso, comparando o julgamento com um reality-show dos primórdios da televisão.

O mais impressionante é que American Crime Story nos envolve muito em uma história da qual já sabemos o final. Vários elementos que já sabemos fazer parte da trama aparecem como socos no estômago, lidados com elegância por Murphy e escritos com precisão pelos roteiristas. É uma estreia promissora, que exige que o espectador continue assistindo.

A série começou a ser exibida no Brasil nesta quinta-feira (4) pelo canal pago FX, apenas dois dias depois de estrear nos EUA. Veja o trailer:

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