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American Horror Story: 1984 | Crítica - Temporada Completa

Depois de uma temporada bem mais ambiciosa em Apocalypse, American Horror Story retoma suas propostas mais contidas com uma enxurrada de referências aos anos 80 em American Horror Story: 1984. 

A nona temporada da série de terror de Ryan Murphy é uma grande segurada nas rédeas, perto do que a série vinha tentando fazer com seu grande crossover que trouxe de volta personagens de Murder House e Coven, para lidarem com o fim do mundo e o filho do diabo em pessoa. Desta vez, o foco está em uma história bem mais simples, com personagens que, em sua maioria, servem como representações de arquétipos típicos ao gênero “slasher” do final do século passado. 

American Horror Story: 1984 também acaba soando como uma temporada mais distante, por não contar com nomes recorrentes e aclamados da série como Evan Peters, Sarah Paulson ou Jessica Lange. No entanto, a falta destes atores maiores abriu um espaço interessante para dar foco a novos integrantes da “família AHS”, Emma Roberts finalmente podendo aproveitar um protagonismo com elementos diferentes do que vinha tendo que interpretar nos últimos anos, e com Billie Lourd se estabelecendo como uma atriz digna de atenção, em meio a tantos nomes presentes na série. 

Uma das principais mudanças desta temporada está, com certeza, em seu tom. Com uma consciência exacerbada do gênero em que se encaixa, a temporada brinca com os clichês de filmes “slasher” com tanta ênfase que chega a beirar a paródia, em diversos momentos. Na verdade, só não chega a ser definitivamente uma paródia, por ainda dar prioridade à atmosfera de terror e tensão, ao invés de desembocar no humor escrachado. Mas desde as piadas com características marcantes dos anos 80, até às menções à ideia recorrente da “final girl”, American Horror Story: 1984 é, com certeza, melhor aproveitada por aqueles que já possuem uma maior familiaridade com o gênero. 

Inicialmente, a temporada constrói uma típica versão de suas referências, com um grupo de jovens personagens em volta de uma fogueira, ouvindo histórias de terror sobre um serial-killer que cometeu diversos assassinatos dentro do acampamento no qual passarão o verão. Mas qualquer sutileza é jogada para fora da janela, uma vez que começam as várias reviravoltas de cada episódio, quer estas tenham sido propriamente construídas, ou não. 

Ainda que Ryan Murphy não seja o responsável por escrever todos os roteiros, é possível perceber as características que tornam o produtor, um excelente roteirista episódico. As reviravoltas desta temporada são mais do que capazes de deixar qualquer espectador, ansioso pela continuação da história, em uma estrutura narrativa que consegue se ater a moldes considerados ultrapassados em uma era dominada pela Netflix, mas que ainda assim, nunca deixa de ser, no mínimo, impactante. 

No entanto, estas grandes alterações de dinâmica também acabam deixando para trás certas construções e contextos inexplorados. Um bom exemplo é a história de Xavier (Cody Fern), que parecia ter um passado complexo, revelado pela aparição repentina de um personagem no início da temporada. A história trazia uma complexidade para o personagem que poderia influenciar suas ações e a nossa interpretação sobre ele, ao longo dos próximos episódios. Logo em seguida, porém, o novo personagem é morto, o passado de Xavier vai sendo deixado cada vez mais de lado, e eventualmente já não possui qualquer relevância para as tramas do personagem (muito menos da temporada).

Não é, nem de longe, a primeira vez que American Horror Story altera as circunstâncias de uma temporada de forma tão drástica. Outras temporadas costumavam praticamente encerrar suas tramas principais um ou dois episódios antes do final, e passar o resto do tempo com consequências, saltos temporais e mirabolantes “pingos nos Is” (algo que, para uma série antológica que inicialmente não pretendia retomar nenhuma trama, fazia sentido para providenciar conclusões definitivas). Neste novo ano, no entanto, a dinâmica principal só vai até a metade da temporada, concluindo o que seria esta versão de um típico filme slasher, e passando os quatro episódios seguintes em uma evolução bem mais dispersa.  

American Horror Story: 1984 dedica uma parte considerável de seu tempo (e de sua autoconsciência) à exploração da ideia de “serial-killers”, que se tornaram um tópico tão popular nos EUA durante anos 80. O início da temporada conta com, não apenas um, mas dois assassinos atormentando o acampamento (eventualmente três. É fácil perder a conta à cada episódio). E indo de algumas discussões sobre a “origem” do desejo homicida destes antagonistas, até uma história de redenção, este é o aspecto que mais apresenta potencial nesta temporada, para aqueles que não se contentarem com o jogo de referências e a comédia mórbida recorrente.

Uma vez que passamos pela recriação de um filme “slasher” de acampamento, a temporada também decide brincar com o conceito de “fantasmas” com mais descontração do que já fez no passado, levando boa parte de suas regras fantasmagóricas ao pé da letra (quando morrem no acampamento, os personagem retornam como fantasmas, abrindo espaço para todo tipo de estratégia, onde estar vivo é um tanto superestimado). 

Temporadas como Roanoke conseguiram revitalizar a série, ao apresentar novas abordagens que fizessem melhor proveito da liberdade do formato antológico de American Horror Story. Mas o elemento que mais chamou atenção para a produção de Ryan Murphy sempre foi a sensação de desconcerto que suas histórias conseguiam gerar no espectador. 1984 é uma temporada que talvez choque pelo “gore” e pela violência exagerada, mas que nunca chega a ser tão desconcertante com a construção de suas tramas. 

Ainda assim, a diminuição de escala, em comparação ao último ano, foi bem-vinda para a série, e com as especulações de que a próxima temporada pode girar em torno de aliens, o foco mais contido fará bem aos roteiristas, que poderão expandir a narrativa gradualmente. Boas performances continuam sendo, pelo menos, um grande atrativo para conferir American Horror Story:1984 (Lily Rabin aparece pouco, mas não passa despercebida), e se o espectador está afim de um terror descompromissado, feito para quem quer ver serial-killers se encontrando e desencontrando em meio a fantasmas frustrados, então não precisa mais procurar. 


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