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American Horror Story: Apocalypse | Crítica - 8ª Temporada

Sem sombra de dúvidas, American Horror Story foi uma temporada feita para os fãs já estabelecidos da série, e entrega diversos momentos descarados de “fan-service” enquanto puxa todas as cartas possíveis de dentro da manga para tentar fazer sentido desta bagunçada trama.

Há muito o que se elogiar por aqui, começando pela oportunidade de poder assistir atores de destaque como Sarah Paulson e Evan Peters interpretando vários personagens em uma mesma narrativa. A temporada trouxe vários membros recorrentes de American Horror Story interpretando novos e antigos personagens excêntricos e espalhafatosos o suficiente para não deixar espectador nenhum entediado. E mesmo que muitos destes personagens pareçam estar posicionados de forma gratuita, apenas pelo impacto decorrente de quem os interpreta, não deixa de ser interessante acompanhar a exibição destes ricos portfólios de atuação.

E não podemos deixar de ressaltar a ousadia de American Horror Story: Apocalypse ao explorar todas as oportunidades narrativas que a temporada tinha a oferecer, ainda que tais explorações possam ter sido feitas sem o devido discernimento (sutileza então, é um conceito que ficou para trás há muito tempo, neste fim de mundo). A temporada começou introduzindo novos personagens em um novo contexto consideravelmente promissor, apenas para deixar de lado toda a construção que vinha sendo vista nos primeiros episódios, e abrir espaço para esperado “crossover” com as temporadas anteriores.

Foi uma temporada, no mínimo, confusa, e minha confusão pode ser melhor observada através dos textos anteriores que escrevi para esta temporada (primeiras impressões, o crossover com “muder house” e o sétimo episódio “Traitor”). Apontei várias vezes o quanto me incomodava o fato da temporada ter interrompido sua narrativa para focar na trajetória de Michael Langdon até então, e o envolvimento das bruxas de “Coven” neste contexto apocalíptico. E, a cada episódio, permaneci incrédulo de que só retornaríamos ao iminente embate entre os personagens com final da temporada se aproximando.

American Horror Story sempre procurou conquistar o espectador através de revelações chocantes e desenvolvimentos absurdos para suas tramas sobrenaturais, mas esta temporada elevou esta estratégia para níveis muito além do que costuma-se permitir em qualquer mídia, e há boas razões por trás destas restrições. A começar pelo fato desta temporada ter estabelecido e quebrado suas próprias regras constantemente, denegrindo sua própria atmosfera de ameaça e urgência sem o menor comprometimento com a manutenção adequada de sua mitologia.

Não é a primeira vez que uma temporada estabelece a possibilidade de trazer personagens mortos de volta à vida. Mas em Apocalypse, personagens morrem apenas para serem trazidos de volta logo em seguida, o que sempre pode acabar invalidando parte dos arcos narrativos destes personagens, ainda que produza reviravoltas instigantes. Entra Michael Langdon, o filho do capeta em pessoa, e estabelece-se que o personagem pode não apenas matar, mas “queimar” a alma de suas vítimas, impedindo que alguém possa, até mesmo, trazê-la de volta do inferno (seja lá qual for o inferno em questão).

Mas, não contente com esta já enorme reformulação de suas dinâmicas, a temporada ainda introduz um fator que sempre carrega complicações ainda maiores para a coerência de qualquer trama: viagens no tempo. Tal recurso é trazido à tona pelas bruxas sem o menor prenúncio (foreshadowing, em inglês, que significa dar indícios prévios de um acontecimento), impossibilitando que esta solução de roteiro seja vista como nada além de meramente infundada (além de preguiçosa).

Choque pelo mero valor de choque raramente sustenta uma narrativa. Sem a devida preparação, qualquer reviravolta soa como uma trapaça ao espectador. Predomina a sensação de que os roteiristas não sabem como solucionar os próprios obstáculos da história, e acabam apelando para habilidades e acontecimentos desregrados que, muitas vezes, invalidam os esforços e as evoluções dos personagens até então.

Talvez o grande problema desta temporada possa ser resumido com a palavra “dispersão”. Não há um foco discernível nestas várias histórias pobremente interligadas, com a narrativa passeando entre os diversos períodos de tempo cuja relevância é constantemente questionável. American Horror Story: Apocalypse não só parece pouco preocupada com sua incoerência, como ainda se dispõe a incluir, até mesmo, a personagem histórica Anastasia Romanov em sua desenfreada mitologia, e demonstra, mais uma vez, o quanto esta temporada parece querer dizer muita coisa, mas não sabe respirar enquanto fala (Nem vou me estender sobre o quão ordinário foi o uso dos supostos “Illuminati” nesta reta final).

SIm, é divertido ver personagens queridos do público retomarem suas tramas anos depois, mas qual foi o benefício de se trazer as bruxas de “Coven” ou os fantasmas de “Murder House” de volta, se nenhum deles parece ter tido suas histórias engrandecidas? O único personagem cujo arco narrativo possui qualquer relevância é Michael Langdon, em suas interessantes observações sobre o mundo que está destinado a destruir, e sua realização como antagonista. Ainda assim, sua conclusão foi pouco inventiva, além de anti-climática, e embora abra espaço para futuras continuações, está claro que American Horror Story precisa re-descobrir sua originalidade antes que tente aprofundar qualquer uma de suas tramas já finalizadas.

Esta foi, com certeza, uma temporada de extremos. Em meio à um elenco de estrelas, Billie Lourd acaba sendo um empolgante destaque com sua personagem Mallory. Ainda podemos aproveitar toda a imponência de Sarah Paulson, a versatilidade de Evan Peters, e os desconfortos que Kathy Bates produz com maestria em suas interpretações. De quebra, ainda tivemos Jessica Lange e Angela Bassett aparecendo momentaneamente, o que só confirmará esta temporada como uma grande “comemoração” da trajetória da série até aqui. Tudo que sempre fez American Horror Story ser um marco da televisão atual está presente neste novo ano, com o“fan-service” reinando sem restrições.

Mas “fan-service” não é o suficiente para tornar esta história qualquer coisa além de, no mínimo, descartável, e no máximo, abominavelmente mal escrita. Ryan Murphy é um showrunner conhecido por transgredir a indústria com sua produções, mas que raramente termina o que começa com a satisfação almejada pelo público.

O formato antológico de American Horror Story sempre garantiu que a reinvenção da série seria seu maior trunfo em meio à qualquer tropeço narrativo, mas enquanto “Roanoke” conseguiu revitalizar a relevância da produção em meio à tantas obras de terror na televisão atual, American Horror Story: Apocalypse é um exemplo de como até mesmo uma antologia está sujeita aos perigos do pedantismo e da auto-indulgência. Torço para que as próximas temporadas coloquem seus temas em primeiro lugar, novamente. E deixem que o público revisite seus personagens favoritos por conta própria.

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