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Arquivo X | Quando o monstro caçado por Mulder e Scully somos nós

Todo mundo sabe que a vida perde um pouco da magia quando deixamos a infância para trás, mas o detalhe mais amargo é que essa magia e essa habilidade de acreditar no “impossível” não só nos deixa, como se contorce em si mesma dentro de nós, e nos torna seres ressentidos por todos os anos perdidos acreditando no Papai Noel, no Pé Grande, no Bicho-Papão. O processo de crescer e amadurecer nunca acaba, e a cada ano que passa nós nos tornamos um pouco mais cansados, realistas e incapazes de olhar para um monstro e acreditar que não existe alguém por trás da máscara, como nos episódios de Scooby-Doo.

“Mulder & Scully Meet the Were-Monster”, o terceiro episódio e o primeiro da nova temporada que serve como um argumento para justificar a existência desse revival de Arquivo X, o que é irônico, considerando que ele é escrito por Darin Morgan. Cada um dos quatro episódios que ele escreveu para as temporadas originais de Arquivo X questionavam a própria premissa da série, virando-a de cabeça para baixo e reconhecendo o absurdo das teorias de conspiração e abdução alienígena de Mulder, e assim abrindo Arquivo X para um leque maior de possibilidades narrativas.

Seu roteiro e direção nesse novo episódio é tão ambicioso e engraçado quanto se poderia esperar. Enquanto suas colaborações anteriores se apoiavam em outros gêneros, como terror e teatralidade dramática, “Mulder & Scully Meet the Were-Monster” é consistentemente hilário em seu humor negro, especialmente na forma como não se importa em identificar ou dar histórias para o grupo de homens que é alvo de um serial killer investigado pelos nossos heróis – reconhecendo o pouco caso que a maioria das séries do gênero fazem dos cadáveres que deixam pelo caminho, Morgan extrapola esse detalhe de tal forma, e com tanta intencionalidade, que fica até engraçado.

“Mulder & Scully Meet the Were-Monster”, em seu cerne, é uma celebração do valor e dos prazeres da jornada quixotesca de Mulder por conceitos elusivos e absurdos, da emoção de ainda acreditar em monstros e alienígenas, de querer acreditar (como um dos bordões mais famosos da série diz). Mulder começa o episódio mais consciente de suas falhas e da inutilidade de sua jornada, desesperançado depois de horas passadas revirando casos antigos dos arquivos-X e procurando por um pouco daquela antiga mágica. Mesmo assim, ele e Scully embarcam em um novo caso, depois de alguns garotos verem o que acreditam ser um monstro-lagarto atacando um oficial da carrocinha.

O episódio não tem vergonha de divertir o espectador, e até Scully admite estar gostando de trabalhar nesse caso tremendamente absurdo – aqui, ela está passos e passos a frente da história e do próprio Mulder, uma mudança de ritmo bem-vinda para os personagens. Nesse clima, as vítimas e até o serial killer interpretado com delicioso senso cômico por Kumail Nanjiani (Sillicon Valley), nunca são mais importantes que o efeito que a história tem nos personagens e no tema do episódio. Essa velha história de serial killer, com os mesmos velhos motivos e personalidade, entedia Mulder – para o episódio, a busca pela “verdade”, por monstros e por coisas extraordinárias em nosso mundo ordinário, se baseia em tentar encontrar respostas diferentes para as mesmas velhas perguntas.

De fato há um monstro em “Mulder & Scully Meet the Were-Monster”. Guy Man (Rhys Darby, de Os Piratas do Rock) era só mais um lagarto vivendo tranquilamente até um homem mordê-lo, e ele ser condenado a viver em forma humana durante o dia. Exasperado de subitamente ter que se preocupar em conseguir empregos, arranjar uma namorada, pagar as contas e todas essas outras coisas mundanas, Guy Man é uma excelente piada, com um excelente ator para contá-la. A premissa de que a consciência e o pensamento inteligente nos condenou, humanos, a viver insatisfeitos não é nova no trabalho de Morgan, e a graça superficial da história não distrai da melancolia que corre por baixo dela.

Mulder e Guy, embora ambos não saibam disso, estão vivendo variações do mesmo problema: é difícil lidar com ser humano, ser adulto, saber das limitações do mundo, saber que um dia você vai morrer, e saber que a explicação mais simples e realista para as coisas muito frequentemente é a mais correta. Tudo termina, e a maioria das coisas termina sem fazer muito sentido, nos deixando com algo verdadeiramente inacabado, mas irrevogavelmente irrecuperável, em mãos. Você não traz de volta uma série de TV dez anos depois dela sair do ar e espera que ela tenha algum motivo para existir, e não dá para recapturar aquela memória dourada (e provavelmente distorcida) que você tem do quanto ela era boa. Mulder e Scully se foram, e talvez nós devêssemos aceitar isso.

Por outro lado, talvez nós não devêssemos. O mais maravilhoso em “Mulder & Scully Meet the Were-Monster” é que ele é ambivalente dessa forma – os melhores momentos do episódio vem de referências casuais a episódios antigos da série, e de nossos heróis abraçando toda a tolice narrativa que os manteve juntos por tantos anos. Talvez esses seis episódios (e o que mais vier – ou não vier – depois deles) não sejam a experiência mais profunda e envolvente possível, principalmente porque é impossível encararmos Arquivo X sem a maturidade que se disfarça de cinismo.

Nós encontramos a verdade que tanto procurávamos – a nossa verdade é uma cova e um túmulo, para todos os efeitos, o resto é só besteira – mas isso não significa que não possamos manter nossos olhos abertos, procurando por aquele monstro em que deixamos de acreditar. Talvez ele não seja o que esperávamos, mas não se pode ter tudo.

Veja o trailer do quarto episódio, “Home Again”:

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