Notavelmente diferente, porém conceitualmente familiar aos fãs de longa data, Doctor Who retorna para sua décima primeira temporada com Jodie Whittaker assumindo o icônico manto deste cativante protagonista.
Para aqueles que não estão familiarizados com as distintas regras desta série peculiar, o personagem principal de Doctor Who, sempre chamado apenas de “O Doutor”, é um alienígena capaz de regenerar todas as células de seu corpo (geralmente quando se encontra a beira da morte). Essencialmente, esta característica permite que a série possa trocar o intérprete de seu protagonista quando julgar necessário e, assim, estender-se indefinitivamente, sempre em constante renovação. Doctor Who é uma série que já completa mais de cinquenta anos de existência, e sempre mostrou seus melhores atributos quando esteve disposta a abraçar a mudança, por mais audaciosa que fosse.
Com Peter Capaldi se despedindo do papel principal no final da última temporada, Whittaker começa sua jornada lutando contra diversos obstáculos, tanto dentro, quanto fora das telas. Diante de todo o pessimismo do público, indignado com a troca de gênero do protagonista, a atriz demonstra estar plenamente consciente dos maneirismos, expressões e singularidades que compuseram as últimas (e mais modernas) encarnações do personagem, auxiliada por uma construção narrativa igualmente consciente.Sendo assim, esta nova “Doctor” permanece apresentando tudo que faz esta figura alienígena ser tão relevante para o público, não importando sua época.
A nova trama começa nos apresentando os mais novos “companheiros” do “Doctor”, Ryan (Tosin Cole), Yaz (Mandip Gill) e Graham (Bradley Walsh). Ryan e Graham acabam trazendo uma relação intrigantemente diferente do que se costuma ver entre os típicos ajudantes do protagonista, enquanto a personalidade assertiva de Yaz deve gerar bons embates ao longo da temporada. Meramente introduzidos neste primeiro episódio, os “companheiros” desta temporada (em maior número do que de costume) precisarão de um bem-equilibrado tempo de tela ao longo da história, para que possam ser desenvolvidos adequadamente, e conquistar a empatia do espectador.
Este primeiro episódio da nova temporada já procura deixar algumas declarações bem explícitas ao público, tanto novo, quanto antigo. O estilo e a fotografia da série passa por algumas claras alterações (tal qual também foi o caso na época da troca entre os showrunners Russel T Davies e Steven Moffat). O mais novo líder da produção, Chris Chibnall demonstra interesse em caracterizar a série com aspectos visuais mais próximos as produções cinematográficas, do que aos típicos procedurais televisivos.
Este proposto visual rebuscado acaba não podendo ser visto com todo o seu potencial, uma vez que a história deste primeiro episódio se passa majoritariamente nos arredores de uma pequena cidade comum, sem grandes cenários mirabolantes. Os elementos de ficção científica que podem, ocasionalmente, lotar os episódios de Doctor Who, acabam sendo vistos de maneira relativamente contida neste começo, tornando aceitável supor que esta nova temporada trará uma abordagem visual menos espalhafatosa do que vinha sendo visto na “era Moffat”, até então.
No que diz respeito a caracterização dos personagens e antagonistas, boa parte da casualidade comum à série ainda está presente na execução de Chibnall, que não perde tempo ao introduzir mais uma raça alienígena neste universo de Doctor Who. Ao que tudo indica, veremos episódios contidos dentro de si, com novas histórias e novas criaturas sendo apresentadas todas as semanas. Este modo procedural de se construir as temporadas da série pode ser uma ótima estratégia para conquistar espectadores casuais, além de abrir espaço para tramas completamente distintas, que possam exibir todos as particularidades desta nova versão.
E embora não traga os mesmos caprichos que Steven Moffat tanto prezava em seus textos, nos anos anteriores, este primeiro episódio conseguiu preservar tudo aquilo que realmente importa para que Doctor Who ainda mantenha seus conceitos primordiais intactos. O personagem é, muitas vezes, um super-herói, cujos grandes superpoderes são sua capacidade empática e seu ímpeto inabalável. Com plena consciência, também, de sua audiência infantil, a “Doctor” ainda é uma personagem tão admirável e digna quanto sempre foi.
O futuro é próspero, agora que Doctor Who passou por mais de uma suas produtivas mudanças.Com a diversão sendo o principal objetivo desta nova temporada, novos espectadores poderão, sem muito compromisso, descobrir o vasto mar de possibilidades que esta série sempre demonstrou ter em suas viagens no tempo e espaço, sem vergonha de suas visões inocentes e otimistas sobre a sociedade em que vivemos. Em meio a estes nossos tempos (globalmente) repletos de ódio e intolerância, é reconfortante ter esta série de volta.