Bem-vindos de volta ao Fala Série! No último dia 13 de junho, durante entrevista à Entertainment Weekly, o roteirista Sam Esmail, criador da celebradíssima Mr. Robot, reclamou que a convenção essencialmente americana de entregar uma temporada de cada série de TV por ano é ultrapassada e contra produtiva para os criadores. Nessa quinta edição do Fala Série, que redijo poucas horas depois da estreia do segundo ano de Mr. Robot, lançado pouco mais de 12 meses depois do primeiro, a mensagem é só uma: Sam Esmail está certo, e não está sozinho.
Em uma notícia mais recente, David Benioff e D.B. Weiss, a dupla praticamente venerada pelo mundo todo por escrever Game of Thrones, declarou que não só a sétima e a oitava temporadas da série, que provavelmente servirão como sua conclusão, terão uma quantidade de episódios menor, como também devem chegar um pouco atrasadas. Desde o primeiro ano Game of Thrones nunca perdeu sua marca de estreia no mês de abril, o que se tornou progressivamente mais difícil para a produção ao passo em que a escala foi aumentando.
Não só Benioff e Weiss tinham apenas alguns meses para escrever 10 horas excelentes de televisão e manejar um oceano de personagens pelo caminho, como a produção tinha que se mover pela Europa e juntar os atores, resolver os pesadelos logísticos das cenas específicas de cada temporada, realizar a produção dos efeitos especiais, mais edição, figurino, trilha-sonora… 12 meses não é um prazo de produção digno para um trabalho como esse. De fato, é de se espantar que Benioff, Weiss e companhia conseguiram manter esse relógio acertado por tanto tempo, sabe-se lá à custa de quê.
Se juntando ao coro bem antes dele começar a cantar, o presidente da HBO Michael Lombardo se responsabilizou ainda em janeiro pelo fracasso da segunda temporada de True Detective, série toda comandada por Nic Pizzolatto. Em suas declarações, Lombardo se desculpou por pressionar Pizzolatto a entregar a história dentro de um ano após a primeira temporada, que reportadamente tomou muitos tempo da vida do autor para ser planejada. “Os nossos maiores fracassos acontecem quando priorizamos uma data de estreia no lugar do tempo criativo”, disse Lombardo.
True Detective de novo? Só se Pizzolatto se mostrar pronto para entregar outra obra-prima bem trabalhada como a primeira temporada. O escritor ainda tem contrato para dar à HBO tudo o que ele escrever para TV a partir de agora, mas não há previsão para um terceiro ano de sua série de antologia sobre investigações policiais – e nem deve haver, por um bom tempo.
O último grande autor contemporâneo a se juntar a essa crescente demanda por um tempo mais humano de produção é Noah Hawley, que no último dia 27 de junho declarou que, após três temporadas de Fargo em três anos, ele pretende tomar uma folga. “Acho que vou entregar três temporadas em cinco anos”, disse, dando a entender que 2018, 2019 e 2020 provavelmente não verão uma quarta temporada de Fargo estrear na FX.
Há algo em comum entre esses criadores, obviamente: eles todos exercem controle absoluto de tudo que é escrito em suas obras. Dos 20 episódios de Fargo até agora, Hawley assinou pessoalmente 16, e sem dúvida orientou decisivamente os outros quatro; dos 60 episódios de Game of Thrones, a dupla D&D escreveu 41; a segunda temporada de Mr. Robot é inteiramente escrita e dirigida por Sam Esmail; e Pizzolatto escreveu cada palavra falada em True Detective desde a estreia.
Quando se tem todo um time de roteiristas envolvido na elaboração da temporada, como acontece em muitas séries da TV aberta (e especialmente as que entregam 22 ou 24 episódios por temporada), é outra história. Se estamos caminhando para um cenário televisivo voltado ao trabalho de autores como Esmail, Hawley, Pizzolato e Benioff & Weiss, no entanto, essa não deveria ser nem mesmo uma questão – é preciso esperar que eles criem em seu tempo.
Pontualidade inglesa?
É especialmente gritante que essa seja uma discussão que sequer precisemos ter por dois motivos: primeiro, como Esmail apontou na fatídica entrevista da Entertainment Weekly, esse é um modelo ultrapassado que continua em voga por motivos ultrapassados; segundo, já temos um exemplo de que um modelo de temporadas irregulares pode funcionar muito bem, obrigado, e segurar o público de maneira mais do que eficiente. É só cruzar o Oceano Atlântico para observar que, na Europa, o modelo de uma temporada por ano nunca foi o padrão.
O exemplo contemporâneo mais conhecido, obviamente, é Sherlock. A absurdamente bem-sucedida adaptação moderna do detetive de Arthur Conan Doyle, que transformou Benedict Cumberbatch e Martin Freeman em astros, entregou a miséria de 12 episódios nos últimos seis anos. Episódios de duração extraordinária e elaboração narrativa mais ainda, é verdade, mas esse é todo o ponto – Sherlock entregou três mini-filmes em 2010, três em 2012, três em 2014, e deve entregar mais três em 2017. No meio desses, alguns especiais de Natal e fim de ano, só para manter a “chama” acesa.
Sherlock não perdeu público por sua irregularidade ou pela escassez de seus episódios. Segurou-o na base da qualidade, e no crescente star power de seus protagonistas, que tiveram tempo de sobra para embarcarem em outros projetos que só os tornaram astros ainda maiores. Espere um escândalo quando Sherlock retornar, em 2017, e então espere mais uma boa pausa, senão um anúncio de que não serão produzidos mais episódios, porque tudo depende da boa vontade, da disponibilidade e da excelência dos criadores Mark Gatiss e Steven Moffatt, que, juntos, escreveram 13 dos 15 episódios da série.
O modelo britânico funciona também com comédias, como testemunha Miranda (2009-2015), 20 episódios, todos escritos pela comediante Miranda Hart. Funciona na França, onde Les Revenants entregou primeira temporada entre 2012 e 2013, e segunda só em 2015. Funciona com produções australianas – vide Top of the Lake, que deve retornar em 2017, quatro anos depois da primeira temporada em 2013. Tem funcionado para Last Tango in Halifax, que lança quarta temporada em 2016, dois anos depois da terceira; até para a americana The Sopranos, que parou em 2002, após quarta temporada, voltou em 2004, fez metade de sua temporada final em 2006, e a outra metade em 2007 – mais irregular que isso, impossível.
Mais ou melhor?
A televisão americana nunca foi um negócio voltado para a expressão autoral. Embora showrunners tenham feito sua marca no passado, é só agora que seus estilos marcantes e idiossincráticos finalmente acharam um espaço para brilhar. Conforme a mídia se sofistica em uma era que parece ter entendido, com raras exceções, que qualidade também significa notoriedade, e notoriedade significa mais público, a TV aos poucos se volta para uma mentalidade em que o controle das histórias está, essencialmente, nas mãos individualizadas daqueles que as criaram.
Essa não é, é claro, a única maneira de fazer boa TV. Séries com salas inteiras de roteiristas também podem ser excelentes, como é atestado em décadas de história da TV americana. A eventual irregularidade de um ou outro membro do time pode ser corrigida com facilidade por um showrunner, mas ao mesmo tempo quem acompanha de perto aqueles créditos no começo do episódio sabe mais ou menos o que esperar quando, por exemplo, um episódio de American Horrror Story é escrito por Jennifer Salt, Tim Minear, Crystal Liu ou Ryan Murphy.
O que as séries de autor ganham não é coerência nem regularidade, mas uma visão unificada que permite que a narrativa seja, essencialmente, uma expressão completa e comprometida da forma como a pessoa responsável por idealizar esses personagens os vê seguido adiante. Séries assim tender a dividir mais opiniões, como testemunhamos com True Detective, mas também com Girls, por exemplo, que teve 35 de seus 52 episódios assinados por Lena Dunham.
O dilema que muitos apresentam como o resumo dessa discussão de aceitar ou não mais tempo entre temporadas para o bem dos autores e qualidade geral da série é um entre quantidade e qualidade. É uma visão incompleta da questão, mas é também elementarmente o que precisamos pensar: se estamos dando poder a um criador e ele ainda não nos decepcionou, será que não deveríamos dar a ele também a confiança de esperar um pouco mais pela continuação da trama que amamos?
Essas são as pessoas que essencialmente nos deram esses universos em que mergulhamos, dividiram conosco algo que poderia continuar morto, ou semi-morto, dentro de suas cabeças. A coragem, o suor, a dedicação e o nível de detalhismo que é colocado nessas produções não deve ser subestimado – se esperamos anos a fio para um estúdio escrever, produzir e lançar uma continuação de um filme, porque pressionamos escritores de TV a entregarem horas e horas de programação anual? Não é só impaciente de nossa parte, como chega a ser egoísta. Como criação deles, essa narrativa sempre será muito mais deles do que nossa. Quem somos nós para ditar o tempo em que ela deve ser resolvida?
O Fala Série! retorna no dia 29/07.