No finalzinho do ano passado, publicamos um texto que comentava sobre o promissor primeiro episódio de O Livro de Boba Fett, parte da franquia Star Wars que acontece após os eventos de O Retorno de Jedi (1983). A série de faroeste espacial criada por Jon Favreau para o serviço de streaming Disney+ já indicava um bom começo, lembrando que sua produção spin-off The Mandalorian cresceu muito no conceito dos exigentes fãs de Star Wars ao longo das duas temporadas lançadas na mesma plataforma citada anteriormente.
Finalizada a primeira temporada de O Livro de Boba Fett não restam dúvidas de que a história-solo que apresentava o senhor do crime e caçador de recompensas Boba Fett realmente se desenvolveu bem… até optar por descentralizar sua narrativa da figura protagonista do título.
Infelizmente, devemos dividir esta produção em duas partes: na primeira (episódios 1 – 4), testemunhamos o desenvolvimento do personagem-título tão adorado por fãs de Star Wars; já na segunda (episódios 5 – 7), observamos a narrativa fundir-se à The Mandalorian, assim como a história principal da saga, quando voltamos nossos olhos para os acontecimentos que envolvem os primeiros treinamentos de Luke Skywalker como mestre Jedi.
A desnivelada série da Disney+ nos leva para as areias de Tatooine, onde o caçador de recompensas Boba Fett (Temuera Morrison) e a mercenária Fennec Shand (Ming-Na Wen) navegam pelo submundo da Galáxia e lutam pelo antigo território de Jabba, o Hutt. Enquanto expandem seu legado pelo planeta arenoso, analisam uma nova ameaça surgindo que pode levar à população para uma guerra contra algumas figuras muito poderosas.
Parte I – Boba Fett
O melhor de O Livro de Boba Fett encontra-se nesta primeira parte, quando temos um roteiro escrito pelo reconhecido e talentoso Jon Favreau, muito mais empenhado na apresentação e progresso da personagem principal da saga.
Pelos primeiros quatro episódios que testemunharemos a paixão de Favreau em contar histórias, especialmente àquelas que revelam um mundo em constante movimento. Através do gênero da ação, ganhamos dois episódios excepcionais: ‘As Tribos de Tatooine’ e ‘As Ruas de Mos Espa’.
No Capítulo 2, encontramos o cinéfilo que vive dentro do cineasta e desenvolvedor desta série original Disney+, que entregou uma perseguição ao trem digna de fazer o público tensionar os membros inferiores do corpo. Praticamente, uma versão faroeste espacial de um dos clássicos bem do comecinho do século passado que são considerados um marco no cinema, no caso, O Grande Roubo do Trem (1903) de Edwin S. Porter (1870 – 1941).
O clássico de Porter usou uma série de técnicas não convencionais, que incluíam uma edição composta, filmagem no local, além dos movimentos frequentes de câmera que abriram a porta para o que se tornaria o cinema de gênero ação.
Claro que aquilo que vemos em O Livro de Boba Fett é muito diferente do filme feito nos primórdios do cinema, ainda assim, podemos ver sua influência até os dias de hoje em outras obras cinematográficas da modernidade, como Missão: Impossível (1996) de Brian de Palma, ou 007 – Operação Skyfall (2012) de Sam Mendes.
Já no terceiro episódio, pudemos perceber que Favreau quis misturar gerações, colocando alguns jovens de visual excêntrico que mais pareciam criaturas da noite saídas de uma boate na madrugada de Berlim no período dos anos 1980, cruzando pelas ruas arenosas de Tatooine em cima de lambretas espaciais coloridas como uma gangue rebelde da década de 1950.
Parte II – O Mandaloriano + Star Wars
Apesar de um elogiável quinto capítulo intitulado ‘O Retorno do Mandaloriano’ – dirigido pela atriz americana Bryce Dallas Howard – que presta homenagens aos filmes sobre máfia, assim como o cinema oriental (especificamente àqueles sobre a cultura japonesa), notamos uma mudança de curso que praticamente tirou o protagonismo de Boba Fett, transferindo-o para Din Djarin (Pedro Pascal), o mandaloriano caçador de recompensas da série original da Disney+.
Essa última parte da primeira temporada de O Livro de Boba Fett representou uma queda considerável de qualidade no material em questão, revelando as piores escolhas a serem feitas considerando que estamos em uma série de faroeste misturada com ação inseridas dentro do universo de Star Wars.
O episódio final ‘Em Nome da Honra’ que teve a direção de Robert Rodriguez tem tudo do pior que puder imaginar, incluindo uma alusão direta aos filmes de monstro, tipo Godzilla ou King Kong. O mais longo dos episódios da temporada é um amontoado de ação extremamente protocolar que deveria caracterizar clímax, porém, apenas indica uma limitação criativa na tentativa de retratar alguns dos clássicos do faroeste da história do cinema. Uma típica troca de tiros sem qualquer marca memorável expondo mais barulho do que emoção.
Conclusão
Na melhor parte de O Livro de Boba Fett, encontraremos uma reflexiva análise sobre a violência. No entanto, não contemplaremos tal brutalidade via sangue e sofrimento, uma vez que a areia simboliza o nível de destruição causada pela selvageria das espécies em Tatooine.
O planeta desértico – assim como Arrakis em Duna – traduz uma vida de secura, algo que já teve seu fim. Ainda assim, vivemos (ou sobrevivemos) em tais condições na busca por alguma redenção, ou vingança, no caso de Boba Fett.
Só pelo protagonista que conseguiremos tirar algo relacionável desta história, de modo que sempre parece encontrar-se entre a destreza sensibilizada por uma vida inteira trabalhando para superiores que não tiveram qualquer lealdade para com ele, e certa fúria que é uma reação à falta de calmaria, raramente encontrada em seus dias.
Na mais recente produção da Disney+ presenciamos à figura de um homem que só sabia destruir, tentando construir algo.
Enquanto O Livro de Boba Fett executou esse plano, tudo funcionava lindamente, porém, Star Wars sendo Star Wars, claramente cedeu ao limitante e infértil saudosismo já muito conhecido da saga que conquistou o coração de milhões explorando aventuras por vários confins da galáxia.