Bem-vindos de volta à OMG! Em pleno fim de semana de San Diego Comic-Con, pelo menos uma parte dos olhos e ouvidos do público LGBT está voltada para outra coisa: dia 23 de julho, este sábado, a série Looking, da HBO, chegou ao final através de um especial de 1h30 intitulado Looking: O Filme. Não é exatamente uma exceção na HBO – regularmente, a emissora dá mais um episódio ou filme especial para suas produções canceladas precocemente.
O que Looking: O Filme tem de diferente, no entanto, é que ele serve como o último suspiro de uma obra LGBT que passou seus dois anos no ar sendo virtualmente massacrada pela própria comunidade que buscou representar. A OMG! está aqui para cantar as virtudes de Looking, sim, mas não para ignorar as críticas lançadas contra ela pelo público LGBT – é importante notar que a crítica consciente aos aspectos e detalhes da representação midiática da nossa comunidade é tão essencial para o afastamento de preconceitos quanto a própria existência dessa representação.
A OMG!, como todas as colunas do Observatório do Cinema, sempre procurou dar voz a essas críticas, e aqui não é diferente, mesmo porque muitos dos argumentos são válidos. A ideia de que Looking representa uma versão “idealizada” da vida LGBT e, ainda pior, uma versão “higienizada” dela, mais palatável ao público por estar colocada na moldura da comédia dramática/romântica tradicional, é interessante de observar. Como produção televisiva, existe naturalmente um grau de ficcionalidade e dramaticidade em Looking que não existe na vida real, e é intrigante pensar qual seria o limite que essa dramaticidade não poderia ultrapassar sem manchar a missão de representatividade assumida pela série.
Em suma, tudo que se conecta à Looking é complexo demais para se dividir entre “prós” e “contras”. No entanto, o sentimento que predomina conforme Looking: O Filme vai chegando ao seu dia de estreia, e a série portanto chega à sua hora da verdade, é um de decepção por um ambiente televisivo que não deixa uma série ficar no ar por tempo o bastante para se encontrar, se corrigir, ou simplesmente deixar a marca de suas idiossincrasias. Precisamos de um ambiente aberto que discuta os positivos e negativos da representação midiática, mas não precisamos pregar que a representação falha saia do ar, ou não teremos representação nenhuma – afinal, serão todas escritas, dirigidas e atuadas por seres humanos, por definição, imperfeitos.
Um relacionamento complicado e estendido entre Looking e a comunidade LGBT faria mais bem, à longo prazo, do que o curto, conturbado e apressado que tivemos. De qualquer forma, Jonathan Groff (Patrick), Russell Tovey (Kevin), Raúl Castillo (Richie), Murray Bartlett (Dom), Lauren Weedman (Doris), Frankie J. Alvarez (Augustín) e Daniel Franzese (Eddie) estão todos de volta no filme, assim como o co-roteirista Michael Lannan e o criador e diretor Andrew Haigh. E é exatamente com Haigh que gostaríamos de começar nossa exploração da jornada da série até aqui.
Weekend
O filme que revelou Andrew Haigh para o mundo foi Weekend (2011), um drama romântico que pode parecer despretensioso por fora, mas se mostra excepcionalmente ambicioso nas entrelinhas. Estrelado por dois atores desconhecidos e com um estilo quase documental que se transferiu (com um pouco mais de verniz) para Looking, Weekend é a simples história de um romântico, Russell (Tom Cullen), e um cínico, Glen (Chris New), se encontrando e passando um fim de semana juntos – em meio aos momentos mais quentes que decorrem desse “longo encontro”, os dois conversam sobre expectativas para o futuro e mostram uma franqueza incomum e, ao mesmo tempo, uma autodefesa absolutamente reconhecível.
Haigh, que também escreveu o filme, faz um ponto logo no começo de retratar esse casal como um casal heterossexual seria retratado em um filme semelhante, um draminha indie com um pé na autorreflexão. Russell comenta com Glen, no metrô, como as pessoas pensam que a vida social LGBT é diferente e fundada em um senso de comunidade maior, mas na verdade muitos dos padrões de outras amizades, outros relacionamentos amorosos e outras relações diversas, são repetidos nas nossas, ainda que com sabores diferentes.
Weekend não rejeita a identidade ou a cultura gay, e a exibe com orgulho, mas busca em sua narrativa encontrar fios familiares que possam ser transformados em possibilidades novas e refrescantes. O mais bacana é que a história de Russell e Glen não é só identificável e tocante, como é também uma trama romântica madura, que não foge de um final que não é exatamente feliz, mas tampouco recorre aos clichês da “história gay triste” que Hollywood tanto ama (leia-se: aceitação da família, AIDS, promiscuidade).
Girls gay?
Looking estreou no dia 19 de janeiro de 2014 na sombra de Girls, comédia dramática hit da HBO, que entrava em sua terceira temporada. E quando eu digo “na sombra”, quero dizer bem literalmente – o primeiro episódio de Looking, “Looking for Now”, foi exibido logo depois do 3×03 de Girls, “She Said OK”. As comparações eram inevitáveis, visto que ambos eram dramédias passadas em uma metrópole americana em que um grupo de personagens unidos pela amizade passava por aventuras e desventuras amorosas, profissionais e pessoais em um tom meio-sátira, meio-sério.
Não é se surpreender, portanto, que Looking tenha sido chamado imediatamente de “a Girls gay”; e, numa primeira observação, essa denominação não era tão errada. Competente e claramente bem-escrita, Looking dividia a superfície com a série de Lena Dunham, mas era só isso: a superfície. Desde 2014, tanto Girls quanto Looking evoluíram para construir uma identidade própria, mas andarem juntos naquela primeira temporada, e serem portanto comparados, não fez tão bem para nenhuma das duas.
Girls é uma obra personalíssima, tanto que chega a ser irritante. Dunham não se curva à vontade do público e conduz suas personagens com um senso cruel de realismo e imaturidade, mostrando que o tempo não cura tudo e não muda nada. Conforme foi ganhando anos, Girls se tornou uma série tocante que se delicia em cutucar a ferida da nossa idealização boba do mundo. Looking, por sua vez, se mostrou um animal mais gentil – mesmo enredado nos descaminhos românticos de seu protagonista, Patrick, que em alguns momentos pode ser tão irritante quanto Hannah (de Girls), é uma série que se coloca propositalmente em modelos convencionais, mesmo que seus personagens não o façam.
Especialmente na primeira temporada, fica claro a vontade de Looking de “convencionalizar” o relacionamento e a vida LGBT. Em certa dimensão, existe algo nisso que incomoda – deveríamos ser celebrados pela nossa diferença, não aceitos pela nossa conformação ao padrão. Por outro lado, é interessante ver que existem histórias para serem contadas no mundo gay que se encaixam nesses moldes ditos como “tradicionais”, por mais que seja de uma forma um pouco torta (e é um crédito para Looking que ela mostre exatamente onde está esse desajuste “dentro do ajuste”). Se pessoas gays podem ser protagonistas de dramas românticos sem precisar recorrer às tragédias de sempre, isso não é uma evolução?
Um passo a frente
Quando Looking estreou sua segunda temporada em 2015, a história (já) era outra. O segundo ano saiu no dia 11 de janeiro, mesmíssimo dia em que Girls estreava sua quarta temporada, mas curiosamente os paralelos entre as duas séries se acalmaram. Isso porque Girls passava por um de seus melhores momentos, sua hora de maior crescimento temático, se encaminhando para um final que, hoje sabemos, vai rolar na sexta temporada; enquanto isso, Looking estreou com uma visão muito mais clara de sua identidade como narrativa, e da trajetória de seus personagens.
De certa forma, não é tão se espantar que a série tenha acabado no segundo ano – não só pela audiência baixa e críticas da comunidade LGBT, mas também porque a trama se encaminhou para uma conclusão natural quando chegamos ao final da segunda temporada. Patrick pareceu finalmente escolher Richie ao invés de Kevin, que o surpreendeu quando disse que gostaria de um relacionamento aberto; Agustín encontrou sua forma de fazer bem a alguém mesmo que seja em um relacionamento complicado com Eddie; e Dom finalmente encontrou independência, ainda que um pouco tarde na vida. Perceba a palavra que usei nos dois últimos casos: “encontrar”, como realização do objetivo do “procurar” (“to look”).
O segundo ano de Looking também explodiu de diversidade. Não só mergulhamos mais fundo na herança latina de Richie, investigando a família, o bairro e a constituição do personagem, e testemunhando como essa comunidade em especial lida com a homossexualidade (é preciso dizer que Raúl Castillo sempre foi uma das melhores coisas dessa série); descobrimos a diversidade física quando fomos introduzidos a Eddie, um personagem que “não batia” com o estereótipo de magreza ou musculação dos protagonistas, e talvez justamente por isso era tão apaixonante; sem contar que a série abordou o HIV com sensibilidade, mas sem o fatalismo de outras obras LGBT.
Talvez o melhor episódio dos 18 exibidos por Looking seja “Looking for a Plot” (2×07), uma história tocante em que Patrick e Dom acompanham Doris ao funeral de seu pai. É uma observação sensível e aguçada de um processo de luto que não acolhe grandes gestos e demonstrações exageradas – sutil, o episódio mostra que o luto não muda ninguém, e que o que existe de único em cada um dos personagens de Looking é o que os faz especiais, mesmo nos piores momentos. Se há mensagem mais positiva do que essa para o público LGBT, eu não sei qual é.
https://www.youtube.com/watch?v=eKKXaX–ifI
A OMG! retorna no dia 5 de agosto