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Pico da Neblina | Crítica - Episódio 1

Mais uma produção nacional da HBO, o primeiro episódio de Pico da Neblina não só procura explorar as especulações prometidas pela proposta da série, como também apresenta os dilemas de seu protagonista em tramas atrativas de se acompanhar. 

Dirigida por Quico Meirelles (filho de Fernando Meirelles), Pico da Neblina se passa em uma São Paulo fictícia, onde a comercialização e consumo recreacional de maconha foi legalizada no Brasil. Este é um cenário especulativo que não chega a ser tão absurdo de se imaginar em algum futuro, com a série baseando suas primeiras consequências hipotéticas na realidade da Califórnia, onde um produtivo mercado foi construído em volta da substância. 

Enquanto o processo de legalização é debatido no meio político, acompanhamos Biriba (Luis Navarro) um jovem que vende maconha para membros de diferentes classes da sociedade, e que é reconhecido por seus métodos diferenciados ao tratar o produto com mais consideração do que se costuma ter notícia. O protagonista não apenas repassa a maconha “prensada”, como também a lava e a separa de formas variadas, podendo vendê-la dividida por diferentes categorias e funções. 

 Pico da Neblina já começa procurando se distanciar das representações clichês sobre os temas e cenários que aborda, tratando a rotina do protagonista com descontração, e construindo um ambiente mais casual do que se costuma ver em outras produções. A ideia por aqui, pelo menos de início, não é aprofundar um retrato sobre as características e peculiaridades deste universo com realidades gritantes, nem tentar impactar o espectador com alguma sequência chocante envolvendo o dia a dia do tráfico. Ao invés disso, Biriba segue sua rotina de trabalho ao lado de seu amigo Salim (Henrique Santana). gerente da “biqueira” onde pega seu estoque. 

Em uma cena politicamente provocativa, ambos assistem a votação sobre a legalização da maconha, onde deputados que argumentam contra a legalização e  dizem defender “valores éticos” e a “família brasileira”, são ironicamente ovacionados pelos traficantes. Fica clara, a proposta da série de denunciar a hipocrisia e os debates tendenciosos que envolvem este tema político já tão amplamente discutido pela sociedade, e no meio desta “politicagem”, Biriba e Salim apenas discutem seus futuros neste novo cenário. 

De forma produtiva para as discussões que aparentemente irão permear a série, os dois amigos possuem personalidades e pensamentos contrastantes. Salim quer avançar na hierarquia do tráfico, enquanto Biriba encara seu trabalho de forma mais pragmática e se mantém fiel a certos ideais, como não vender drogas mais pesadas. Após a legalização ser aprovada, o protagonista começa a flertar com a ideia de começar a vender maconha legalmente, ideia esta que acaba sendo impulsionada por um de seus clientes. 

O cliente em questão, Vini (Daniel Furlan), é um empreendedor fracassado que segue diversos clichês atribuídos ao empreendedorismo superficial desta geração. Mesmo com suas tentativas iniciais frustradas, é bem possível que o personagem ainda tenho muito o que acrescentar para uma exploração mais aprofundada sobre tais clichês durante os próximos episódios, em um retrato mais instigante sobre a classe média atual dentro deste cenário especulativo.

Mas embora Pico da Neblina chame a atenção dos espectadores por conta de tais especulações provocativas (ainda mais considerando o ambiente político atual), a série realmente acaba excedendo expectativas com seus esforços de construção narrativa, nos apresentando um protagonista facilmente relacionável em tramas que fogem de abordagens mais padronizadas ou de caricaturas desgastantes. 

Seria difícil imaginar que a série teria material suficiente para render seus próximos episódios apenas com a exploração de seu cenário político, e ao produzir uma reviravolta durante os momentos finais deste piloto, consegue escapar de boa parte da previsibilidade de sua proposta e de suas discussões. A relação entre Biriba e Salim com certeza ainda trará muitos momentos de tensão e drama para manter o espectador engajado, mas é a trajetória do protagonista em si que realmente acaba trazendo expectativas ainda mais empolgantes após os acontecimentos finais. 

Pico da Neblina começa trazendo o padrão de qualidade visual já reconhecido internacionalmente da O2 Filmes, e a construção de sua história também mostra-se digna de atenção, ao nos apresentar uma trama cujo valor não aparenta ser meramente político ou transgressivo. Com um primeiro episódio eficiente e um protagonista cativante, a série abre caminhos interessantes para serem explorados durante esta primeira temporada, e quem sabe ainda possa incitar debates relevantes, até mesmo para o mais casual dos espectadores.

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