Com um futuro incerto, The Gifted encerra suas tramas principais nesta segunda temporada deixando espaço para futuras explorações repletas de potencial com o universo dos X-Men, mas constantemente limitada pelos vícios e necessidades da tv aberta americana.
Antes de mais nada, é preciso deixar claro que The Gifted é uma série definitivamente atrasada, e o adolescente fã de séries dentro de mim sabe que se esta produção sobre o “lado b” do universo mutante tivesse sido lançada dez anos atrás, o resultado seria um fenômeno implacável que com certeza seria parte essencial da dominância que o gênero de super-heróis encontrou nos últimos anos. Na década passada, tudo que o público aficionado de hoje poderia querer, seria uma série sobre os x-men, seja lá em qual formato viesse, ou quais circunstâncias precisasse adotar para se adaptar à televisão.
No entanto, a tecnologia ainda não estava tão acessível quanto hoje, e o formato televisivo foi alterado drasticamente nesta última década. Antes, as séries de vinte e quatro episódios precisavam se revirar para manter as tramas engajantes, ao mesmo tempo em que preenchiam os requisitos necessários para que cada episódio pudesse ser contido (e universalmente atraente) por si só. Esta já parece uma época longínqua, com as novas produções adotando contagens de episódios variadas e narrativas que desafiam várias das noções básicas da televisão americana. The Gifted, infelizmente, não foi lançada quando seus melhores aspectos poderiam ter sido valorizados, e nem acompanha as mudanças que marcaram produções mais recentes.
Eis que esta segunda temporada aproveita vários dos temas e dinâmicas comuns as histórias dos X-Men. Tal qual nas HQs e no cinema, alguns dos principais mutantes da trama começam a temporada trocando de lados entre a “Mutant Underground” e o “Inner Circle” (versões mais baratas e menos comprometedoras dos “X-Men” e da “Irmandade”), e trazem à tona os velhos temas de intolerância e ódio, questionando quais personagens estão com a razão em um mundo tão radical quanto este.
Aproveitando o embalo, esta temporada também passou um bom tempo focando em representações sobre a origem deste ódio e desta intolerância. De um lado, Jace Turner(Coby Bell) (um antagonista pouco carismático, mas igualmente difícil de se temer ou desprezar por completo) se vê em meio a um grupo cujas características racistas evocam, imediatamente, comparações com organizações intolerantes como a Ku Klux Klan. O antagonista passou a temporada quase inteira balanceando seus ideias e princípios com a sua frustração e sua impotência perante o poder dos mutantes que, aleatoriamente, tiraram a vida de sua filha anos atrás.
Do outro lado, Andy deixou sua família de lado para seguir as instruções do “Inner Circle”, e embora o personagem possa ser o mais entediante de se acompanhar em alguns momentos (por conta da superficialidade de seus debates internos), o arco de episódios contendo sua trama com Rebbeca (Anjelica Bette Fellini) com certeza ajudam a redimir parte de sua trajetória nesta temporada, construindo uma representação ainda mais palpável dos motivos pelos quais o ódio se prolifera, e se justifica para estes personagens. É possível perceber algumas reflexões interessantes sobre idealismo contra individualismo, e dilemas morais decididos no impulso, que marcam pontos altas da narrativa desta temporada.
Não pouparam esforços ao direcionar este temporada para os seus aspectos mais políticos e representativos. Uns diriam que esta seria a única execução cabível para uma produção seriada dos X-Men, e embora eu discorde, também reconheço que seria um tanto remisso se a série não aproveitasse as circunstâncias políticas atuais dos EUA para construir suas tramas. Ao menos, The Gifted procura construir um cenário abrangente para este debate, ainda que não tão denso quanto poderia. Vemos vislumbres da opinião pública sobre a questão dos mutantes, as reações da polícia e da mídia, além das típicas representações de situações corriqueiras do mundo fora da série.
No entanto, ainda temos a família Von Strucker como o foco principal, e embora manter o protagonismo de Andy (Percy Hynes White), Lauren (Natalie Alyn Lind), Reed (Stephen Moyer) e Kate (Amy Acker) seja uma abordagem louvável para construir uma certa palatabilidade para as tramas principais, não seria difícil imaginar que as sequências familiares estariam entre as menos favoritas dos fãs. Toda a dinâmica do grupo de mutantes guerrilheiros que compõem a “mutant underground” é, com certeza, mais deslumbrante de se acompanhar, e já apresenta dramas pessoais e debates morais suficientes por si só.
Polaris (Emma Dumont), inclusive, poderia manter uma série sozinha com seus dilemas de identidade (Magneto é reconhecido com seu provável pai na série, mesmo sem nunca ser diretamente mencionado), suas circunstâncias como mãe de um recém-nascido, suas convicções radicais (que a colocam do lado oposto de quem ama) e seus poderes exacerbados. Blink (Jamie Chung) e Thunderbird (Blair Redford) também tem seus momentos de destaque, e só comprovam que a vontade dos fãs de acompanhar produções mais tangenciais sobre o universo dos X-Men nunca deveria ser subestimada, podendo gerar histórias interessantes sem a necessidade dos grandes nomes reconhecíveis.
No entanto, o que realmente precisaria conquistar o grande público para manter a série relevante nos tempos atuais, seria a ação e a construção visual de The Gifted que, por estar na TV aberta, nunca poderia se comparar as produções de canais fechados como Legion ou as séries da Marvel da Netflix. Há sim, algumas escolhas mais inspiradas e sutis, como a constante utilização de planos holandeses que distinguem um pouco a produção, mas sem grandes impactos. E a ação é um ótimo exemplo do por que essa série pode ser feita hoje em dia, nunca chegando a impressionar espectadores mais comuns ao gênero nos tempos atuais, mas que com certeza teria sido revolucionária dez anos atrás.
Também me alegra ver como a série procura adaptar elementos mais absurdos ou espalhafatosos da mídia de HQs, como o capacete de Polaris (integrado descaradamente) e a maneira como os “nomes de super-heróis” são encarados pelos personagens. Hoje em dia, há pouco risco em apostar nestas abordagens que, alguns anos atrás, seriam consideradas pouco abrangentes ou cartunescas.
Os tempos mudaram, e embora as intenções de The Gifted sejam plenamente aproveitáveis, a série está datada, e pode não ter mais tempo para reinventar suas abordagens a ponto de se tornar relevante para o cenário do gênero, atualmente. O episódio final deixou um gancho claro, indicando que uma eventual terceira temporada apostaria em tentar se aproximar ainda mais dos elementos reconhecíveis dos fãs dos X-Men, o que seria uma estratégia tão pouco inventiva quanto o que foi visto até aqui. Anos atrás, no entanto, seria motivo para todos os fãs de HQs pularem de felicidade, e comemorem a tão esperada adaptação de “Dias de um Futuro Esquecido” que, infelizmente para a série, já não soa tão revigorante assim.