A peculiar reflexão de The Good Place sobre a moralidade do ser humano continua sendo tão interessante e divertida de acompanhar quanto sempre foi, neste terceiro ano. E demonstra, mais uma vez, a capacidade da série, estrelada por Kristen Bell e Ted Danson, de se reinventar com revigorante criatividade.
The Good Place é um exemplo perfeito de como uma série com propostas atrativas precisam estar em constante movimento, inovando suas abordagens e avançando seus discursos em direções engajantes. Nunca parece haver um único sinal de preguiça ou de conformidade no roteiro da série, que permanece colocando seus protagonistas em situações completamente inusitadas neste começo do terceiro ano.
Ao final da segunda temporada, o grupo de humanos formado por Eleonor (Bell), Tahani (Jameela Jamil), Jason (Manny Jacinto) e Chidi (William Jackson Harper) recebeu uma segunda chance da juíza suprema (interpretada por Maya Rudolph), e retornaram à Terra para que pudessem melhorar suas integridades morais em suas vidas como mortais. No entanto, não estando mais juntos, todos retornam aos hábitos que os levarem a ser jogados no “inferno”, em primeiro lugar. Lá de cima (ou de baixo), Michael (Danson) e Janet (D’Arcy Carden) acompanham a nova jornada dos personagens, mas logo percebem que estes esforços podem acabar sendo em vão.
Esta é mais uma das grandes reviravoltas que definem The Good Place, e todo o entretenimento que a série é capaz de produzir a partir de assuntos incrivelmente complexos, sempre tratados com descontração, porém sem deixá-los cair na redundância ou na superficialidade ao longo de suas duas temporadas anteriores. Ao invés de estabelecer um novo molde de tramas a serem seguidas por este novo ano, o começo da terceira temporada parece estar tão disposto a construir enredos menos pragmáticos quanto a série sempre esteve.
Em sua proposta original, The Good Place era sobre uma mulher de moral duvidosa que acreditava ter sido levada para o céu por engano. Em poucos episódios, a série não só tentou discorrer sobre o que define a moralidade do ser humano, como também introduziu outras perspectivas sobre como lidar com este suposto julgamento divino. Sem desacelerar, a mitologia da série foi se expandindo de maneira perfeitamente consistente, e começou a olhar, até mesmo para os dilemas de MIchael, inicialmente encarregado de torturar estes mortais.
As evoluções de seus protagonistas compõem boa parte do que faz a série se mover com tamanha dinamicidade. O roteiro nunca se esconde dos questionamentos mais pungentes sobre este cenário tão aberto à interpretações variadas, encontrando respostas que sejam sucintas o suficiente para não atrapalhar o tom descontraído da trama, mas que também não deixem seus personagens sem resoluções relativamente impactantes para alterar suas trajetórias. The Good Place apresenta uma riqueza de elementos provocantes, tanto em suas abordagens (não) religiosas de conceitos sobre o céu, o inferno, demônios e anjos, quanto nas pequenas reflexões que produz com cada situação em que coloca seus personagens.
Fazer Michael questionar sua posição como torturador abriu novos caminhos para que a série explorasse os seus conceitos de reabilitação destes seres humanos, e esta não demonstra nenhuma dificuldade em restabelecer suas dinâmicas principais, sem parecer forçada ou pouco conivente com suas construções iniciais. Estas progressões orgânicas que The Good Place constrói com tanta dedicação e cuidado são, sem sombra de dúvidas, seu aspecto mais louvável dentro do cenário televisivo atual.
Depois de ter utilizado seu contexto absurdo para produzir novos objetivos e obstáculos instigantes para seus protagonistas, eis que The Good Place se encontra, mais uma vez, profundamente alterada neste primeiro episódio da terceira temporada. A busca pela perfeita definição da moralidade humana continua sem sinais de desacelerar, mas nunca adotando tons de presunção ou de descaso com seus temas. E mesmo que não estejamos mais acompanhando os cenários fantasiosos das temporadas anteriores, a série ainda parece conseguir equilibrar muito bem seus aspectos fantásticos com seu foco nas trajetórias pessoais destes protagonistas, intercalando todas as quatro histórias principais com alguns momentos de alívio cômico protagonizados pelos membros do “inferno”.
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The Good Place permanece tão inventiva quanto quando terminou sua última temporada, e ainda demonstra ter muito potencial a ser explorado nesta nova temporada, que não deve demorar a colocar seus protagonistas de volta aos domínios fantásticos dos episódios anteriores. Se os mantivesse na Terra, no entanto, poderia encontrar algumas dificuldades em manter o engajamento do espectador já cativado por suas peculiaridades. Mas se a execução da série provou qualquer coisa até aqui, é que seus roteiristas não tem medo de trilhar os caminhos aparentemente mais difíceis e, ainda assim, entregar perspectivas completamente inusitadas sobre o estado atual de nossa sociedade. Nada mal para uma pequena série de comédia de vinte minutos…